A cláusula de não concorrência e seus impactos para a deflagração da persecução penal nos crimes de concorrência desleal.

Publicado em Direito Processual da Propriedade Intelectual. Georges Abboud e Pedro Marcos Nunes Barbosa (organizadores). RT, São Paulo. 2023.

Ricardo Pieri - Antenor Mafra

A cláusula de não concorrência e seus impactos para a deflagração da persecução penal nos crimes de concorrência desleal.

Introdução

A necessidade de manutenção de um ambiente concorrencial harmônico, diante de sua importância para o desenvolvimento da sociedade, está prevista na Constituição Federal como princípio da ordem econômica nacional (artigo 170), ao lado da exigência de repressão legal ao abuso de poder econômico que, entre outros efeitos, possa prejudicar a concretização daquele objetivo.

Não obstante, a livre concorrência, como toda liberdade, não é irrestrita, encontrando limites no exercício legal e honesto do direito próprio, com probidade profissional. Excedidos esses limites, surge a concorrência desleal[1].

Pierangeli observa que, em todo e qualquer conceito que se formule de concorrência desleal, “é inafastável a inserção de uma conduta eivada de jogo sujo, praticado por um praevaricator, que no sentindo etimológico da palavra, lembra Hungria, é aquele que anda obliquamente ou desviado do caminho direito”[2].

Nas palavras de Denis Borges Barbosa, “a deslealdade concorrencial é o comportamento imprevisível do agente econômico, segundo o parâmetro das informações de acesso comum a todos os agentes, excetuado o exercício normal da atrição concorrencial, e as mutações do contexto concorrencial resultantes da inovação”[3].

Portanto, os casos de concorrência desleal levados à esfera de cognição do Poder Judiciário merecem especial prudência e cautela, sobretudo quanto à produção probatória e ao exercício adequado do contraditório pelas partes, para que o julgador possa dispor de elementos suficientes para distinguir quando determinado comportamento do concorrente pode ser considerado ato desleal e, portanto, ilícito, ou quando se está diante de ato regular de atrição concorrencial. À míngua de tais elementos, o juiz ou juíza estará diante de uma zona cinzenta, em que será extremamente difícil distinguir o joio do trigo, de modo a permitir a entrega justa da prestação jurisdicional.

Fábio Ulhoa Coelho esclarece que não é tarefa simples diferenciar a concorrência leal da desleal, visto que:

 

Em ambas, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado. A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. Nos efeitos produzidos, a alteração nas opções dos consumidores, também se identificam a concorrência leal e a desleal. São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva. [4]

 

Para tentar delimitar na esfera penal os casos de concorrência desleal, o legislador descreveu quatorze condutas atentatórias ao dever de honestidade e lealdade em práticas comerciais no artigo 195 da Lei n.º 9.279/96.

As condutas proibidas que merecerão destaque na presente reflexão são aquelas que, por estarem situadas na aludida zona cinzenta, trazem dificuldades maiores em termos de produção da prova sobre a ocorrência do delito, repercutindo na reunião de lastro probatório mínimo para a deflagração da persecução penal contra o malfeitor.

A nosso ver, tais hipóteses são aquelas previstas nos incisos III, XI e XII do artigo 195 da referida lei, que atribuem relevância jurídico-penal às seguintes condutas:

[…]

III) emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

[…]

XI) divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

[…]

XII) divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude

No âmbito penal, as rotinas forenses revelam controvérsias judicializadas que envolvem pessoas inseridas no mercado de trabalho, acusadas de práticas de concorrência desleal, em contexto fático de transição de uma empresa para outra, atuantes em segmentos de atividades idênticos ou similares.

É o caso do empregado, sócio ou acionista que ocupou diversos cargos em uma companhia, dela se desliga e aceita proposta de concorrente, onde começa a atuar a partir da sua experiência anterior, aportando competitividade e rentabilidade, por um lado, e provocando perda de clientela e de faturamento da empresa para a qual trabalhava, por outro. Teria ele cometido o crime de concorrência desleal?

Identificar se o crime está ou não caracterizado não costuma ser tarefa simples e sempre dependerá das particularidades de cada caso concreto. Quando de seu ingresso na sociedade, o sujeito assinou termo de compromisso com regras de ética e compliance, e/ou termo de confidencialidade, comprometendo-se a não se apropriar nem fazer uso de arquivos e documentos da empresa após o seu desligamento da sua estrutura societária? Havia uma cláusula de non-compete? Algum expediente fraudulento foi praticado por ele? Ou o seu know-how se confunde com segredo do negócio?

Essa não é uma preocupação com contornos apenas abstratos, justificando-se, sobretudo, em termos instrumentais, considerando-se a notável gravidade da medida de busca e apreensão prevista nos artigos 200 e seguintes da Lei n.º 9.279/76, com vista à reunião, a título cautelar, de elementos de convicção para subsidiar a deflagração da ação penal que verse sobre a prática de concorrência desleal.

Por implicar supressão casuística da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio (residencial ou profissional), e tendo em vista o severo dano reputacional que causa, a medida de busca e apreensão preparatória da ação penal de concorrência desleal deve estar amparada, como regra geral, em justa causa, consistente em indícios mínimos de autoria e materialidade da prática delitiva.

Mas em que consistiria a justa causa para a deflagração da ação penal e para a autorização de busca e apreensão no contexto de mudança do agente de uma empresa para outra em segmento de atividade igual ou similar? Como distinguir se a divulgação, exploração ou utilização de uma informação ou conhecimento adquirido no local onde o agente trabalhava antes foi um ato deliberado de concorrência desleal ou se faz parte de regular atrição concorrencial?

Naturalmente sem a pretensão de esgotar o tema, a presente reflexão buscará contribuir para melhor delinear o espaço de não concorrência nas relações de trabalho e os seus eventuais reflexos jurídico-penais ao fim da relação empregatícia ou contratual, em esforço para trazer maior segurança para a fixação das bases para a deflagração da persecução penal em casos de concorrência desleal, em especial no tocante à medida de busca e apreensão prevista nos artigos 200 e seguintes da Lei n.º 9.279/76.

O dever de não concorrência na relação contratual ou empregatícia

A abordagem do tema central da presente exposição demanda breves considerações sobre o dever de não concorrência no âmbito das relações contratuais ou empregatícias, a fim de melhor delinear o espaço de não concorrência e os seus eventuais reflexos jurídico-penais ao fim da relação empregatícia ou contratual. [5]

De plano, é oportuno destacar que o próprio direito positivo parte de premissas de vedação à concorrência nas relações de trabalho, a exemplo do que ocorre com a previsão legal de sanção de demissão com justa causa na hipótese de “negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço”, obrigação essa vigente enquanto perdurar o liame laboral, nos termos do . Pedro Marcos Nunes Barbosa observa que:

 

[…] na vida societária-empresarial também é precatada a atuação de seus membros em atividades colidentes e em outras pessoas jurídicas que se proponham a realizar concorrência. Este dever jurídico inicia com o ingresso do sujeito na sociedade e, por óbvio, só termina, a priori, com a sua saída[6]. Tal conclusão independe de uma peculiar cláusula no estatuto social ou de um pacto adjacente específico para vedar a concorrência, posto que incide imediatamente do ordenamento jurídico, sua coerência e dever de lealdade.[7]

 

De fato, o dever de não concorrência e o dever de sigilo vigoram enquanto perdurar a relação trabalhista ou societária, independentemente de previsão expressa formal, como corolários do dever de lealdade nas relações contratuais.

Por outro lado, encerrada a relação contratual ou societária, seria válida a exigência por parte da empresa de que seu ex-funcionário ou ex-sócio não atue como concorrente e preserve a confidencialidade das informações adquiridas na constância da relação profissional?

Nesse particular, é importante esclarecer que o dever de sigilo não se confunde com o dever de não concorrência, muito embora um complemente o outro, como consequência lógica. A obrigação de sigilo não necessariamente estará vinculada a não concorrência propriamente dita. Exemplo disso reside no dever de sigilo dos médicos e advogados, cuja violação não acarreta dano à livre concorrência, mas, sim, àquele que confiou segredos da sua intimidade ao profissional escolhido para cuidar da sua saúde ou esfera jurídica.

De igual modo, existem casos em que pode haver a obrigação de não concorrer, mas não de sigilo, simplesmente por não guardar relação com ramo de atividade que envolva segredos de indústria, comércio ou prestação de serviços. Por exemplo, o dono de uma empresa de produtos alimentícios que pactua com seu principal promotor de vendas que ele não poderá, caso deixe a empresa, trabalhar na concorrente por um período previsto em contrato. O funcionário não tem necessariamente acesso aos segredos do negócio, mas pode estar sujeito ao dever de não concorrer.

Não obstante, é evidente a relação umbilical entre a não concorrência e o dever de sigilo quando envolve segmento de atividade que lida com segredo de indústria, comércio ou prestação de serviços.

Leonam Machado e Rodrigo Corrêa explicam que o pacto de não concorrência e de confidencialidade são coisas distintas, mas complementares, com o objetivo comum de impedir a concorrência desleal. Afinal, “o objeto da cláusula de confidencialidade é a proteção das informações comerciais secretas que constituem o segredo do negócio”, enquanto “o pacto de não concorrência impede que o empregado se valha das informações a que teve acesso durante o contrato de trabalho anterior. Essa vedação do uso dessas informações possibilita ao empregador manter a vantagem competitiva que ele possui no mercado”[8].

Portanto, ressalvados os casos previstos em lei, como o dever de sigilo dos médicos e advogados anteriormente mencionado, que perdura ainda depois de cumprida a obrigação principal, a exigência de não concorrência é legítima somente se as partes tiverem celebrado acordo de confidencialidade contendo cláusula de não concorrência, seja na admissão, seja no curso da relação contratual.[9]

Sérgio Pinto Martins explica que “a cláusula de não concorrência é a obrigação pela qual o empregado se compromete, mesmo terminado o contrato, a não praticar pessoalmente ou por meio de terceiro ato de concorrência para com o empregador”[10]. Orlando Gomes e Elson Gottschalk, por sua vez, ensinam que cláusula de não concorrência é aquela por meio da qual o colaborador “se compromete, mediante remuneração, a não praticar, por conta própria ou alheia, após a vigência do contrato de trabalho, dentro de limites de objeto, tempo e espaço, ação que implique desvio de clientela de seu empregador, sob pena de responder por perdas e danos”[11].

Ari Possidonio Beltran, por sua vez, pontua que:

 

A cláusula da não-concorrência, após a extinção do contrato de trabalho, não viola o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal porque, em primeiro lugar, tal dispositivo, como qualquer outro, deve ser entendido em harmonia com os demais preceitos, e não isoladamente. Ademais, a abstenção deverá ser temporária, estabelecida por consenso e mediante justa contraprestação de caráter indenizatório, devidamente acertada entre as partes. Deverá ser limitada no tempo e abrangerá apenas a atividade fixada, especificamente, como capaz de, em tese, colocar em desvantagem o antigo empregador frente a concorrentes. Estará o empregado livre para o exercício de quaisquer atividades não constantes da limitação, ou seja, a vedação atinge – e não gratuitamente – apenas o ´não concorrer´, durante certo tempo. Em suma, pactua-se uma espera remunerada.[12] (grifos nossos)

 

Ou seja, a despeito da legitimidade da pactuação da cláusula de não concorrência, o seu alcance não é ilimitado, livre de restrições[13], devendo, em seus termos, preservar a competição futura, não abarcar todos os segmentos de mercado e estar balizada no tempo e na área de incidência determinada. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “limites temporais e espaciais são exigidos, para que a restrição contratada não importe eliminação total da concorrência”[14].

Trata-se, pois, de cláusula amplamente aceita pela doutrina e jurisprudência como instrumento de proteção do conteúdo de informações confidenciais e segredos industriais, com o objetivo de modular quais, quantos e por quanto tempo determinados dados devem ser preservados pelo empregado, sócio ou contratado.[15]

A cláusula de não concorrência projeta para além do período da relação laboral os efeitos do princípio da boa-fé, com vista à preservação de informações sigilosas, o que, isoladamente, não fere a liberdade do exercício da profissão, apenas impondo restrição de uso de determinadas informações sensíveis, obtidas em ambiente de trabalho, sob pena de responsabilização civil e criminal, a depender das circunstâncias do caso concreto.

Mas a proibição de concorrência, após a extinção do contrato de trabalho, depende de pactuação prévia formal entre as partes. À falta de previsão expressa, o dever de não concorrência se extingue após a rescisão do contrato de trabalho ou da retirada do sócio do estatuto societário[16].

A jurisprudência converge no sentido de que não se presume a confidencialidade de informação ou o acordo de não concorrência, exigindo-se previsão contratual expressa nesse sentido para a configuração da prática de concorrência desleal. Confira-se:

 

Alegação de prática de concorrência desleal. Ex-funcionários que fundaram sociedade no mesmo ramo de atividade da ex-empregadora. . Ausência de prova de que os corréus tinham, em razão do exercício de suas funções, contato direto com qualquer possível informação sigilosa relativa à atividade da sociedade autora. Desvio de clientela não constatado. Concorrência desleal não configurada. Sentença mantida. Apelo desprovido[17] (grifos nossos).

Caracterização dos tipos penais e a disciplina da atividade persecutória correlata

Como observado nas linhas anteriores, as condutas proibidas que dialogam com o tema da presente exposição são aquelas previstas nos incisos III, XI e XII do artigo 195 da Lei n.º 9.279/96, quais sejam:

[…]

III) emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

[…]

XI) divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato

[…]

XII) divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude

 

A leitura dos incisos XI e XII evidencia duas estruturas de tipicidade muito semelhantes, tanto que o inciso XII remete ao anterior. O inciso XII, embora tenha a mesma escala penal que o inciso anterior, aborda hipótese agravada do inciso XI, eis que a violação ao segredo de fábrica se dá por “meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude”, o que permite criminalizar o sujeito estranho aos quadros da empresa vítima, diferentemente do inciso anterior, o qual exige que o delito seja praticado por pessoa que mantenha, ou tenha mantido, uma relação empregatícia ou contratual com a vítima. Por tal razão, Pierangeli admite que no inciso XII, por versar sobre informações obtidas por meios fraudulentos, sem qualquer especificação de qualidade especial do agente, “o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, isto é, na primeira hipótese o crime é próprio, mas é comum no inciso seguinte”[18].

Nas controvérsias judicializadas que envolvem condutas de concorrência desleal, em contexto fático de transição laboral entre empresas, geralmente são imputadas ao agente a prática, em concurso, de condutas ajustadas a mais de um dos supracitados incisos.

Isso porque aquele que se considera vítima normalmente verá a conduta do ex-colaborador que migra para concorrente, incrementando a sua competitividade e rentabilidade numa direção, e perda de clientela em outra, como utilização, sem autorização, de informações confidenciais a que teve acesso na relação laboral (inciso X), com o fim de desviar clientela alheia (inciso III).

No entanto, o aliciamento de clientela, isoladamente considerado, não basta para a configuração do ilícito penal, podendo representar forma salutar de competição, que se insere no contexto social como conduta adequada, desejável e até mesmo benéfica ao consumidor. O que a norma penal incrimina é o emprego de meio fraudulento, do jogo sujo, do emprego do ardil de que se serve o agente para cooptar a clientela alheia.

A lei penal só alcança o competidor desleal, aquele que desvia de modo antijurídico a clientela de outrem. Em tal situação, conforme lecionava Hungria a respeito da fraude no crime de concorrência desleal na modalidade desvio de clientela prevista no artigo 178 do Código Penal, atualmente revogado pela Lei n.º 9.279/96, o agente se vale de “expediente insidioso para captar a freguesia de outrem; em tal caso, o animus disputandi se alia à fraude para a desleal aplicação de golpes baixos”[19].

A expressão meio fraudulento, utilizada na Lei de Propriedade Industrial, deve ser interpretada à luz do Código Penal, que, ao tipificar o delito de estelionato, lhe atribui concretude nas figuras do artifício e do ardil, ou seja,

[…] toda simulação ou dissimulação idônea para induzir uma pessoa em erro, de modo a que esta tenha imediata percepção de uma falsa aparência material positiva ou negativa. Dizia Carrara que para a existência do artificio não basta o simples discurso, mesmo eloquente, estudado ou persuasivo, se além das palavras mendazes, não se executou alguma coisa que comprove as falsas afirmações. Já ardil é a trama sentimental ou lógica, o estratagema astucioso.[20]

Nas palavras de Pierangeli, “o expediente fraudulento se apresenta sempre quando o concorrente pretender a imposição dos seus produtos no mercado ou a prestação dos seus serviços através do aproveitamento do bem alheio, hipótese em que estará forçosamente agindo em flagrante concorrência desleal”[21].

Porém, na dicção do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ora representada por precedente da sua Sexta Câmara de Direito Privado, quem promove:

[…] o aproveitamento parasitário, ou seja, a imitação dos elementos característicos de um produto ou serviço ou estabelecimento, do aviamento de uma empresa, quando feito em seus aspectos funcionais, necessários para o funcionamento de um negócio semelhante, ou para a elaboração de um produto, ou prestação de um serviço, até pratica um ato de concorrência parasitária, mas este ato não é per si um ato ilícito nem de concorrência desleal. A concorrência parasitária será concorrência desleal apenas quando constatada a possibilidade de confusão entre produtos, serviços e estabelecimentos de origens distintas.[22]

 

De igual modo, em relação aos incisos XI e XII do mesmo dispositivo legal, os segredos do negócio não se confundem com a habilidade manual ou intelectual adquirida pela experiência profissional ou pelo exercício de determinado cargo ou função. Conforme adverte Pierangeli, “não se deve confundir o segredo de fábrica com o know-how”[23] adquirido pelo empregado. Celso Delmanto alerta, contudo, que “o know-how pode abarcar a um ou mais segredos de fábrica, mas ele não será, sempre e necessariamente, um sigilo de fábrica”[24].

A escala penal dos tipos penais ora analisados é de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção, ou multa, o que lhes confere a feição de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61 da Lei n.º 9.099/95, de modo a atrair a competência dos Juizados Especiais Criminais, a ser provocada a partir da iniciativa privada, mediante apresentação de queixa-crime pela vítima.

A propositura da queixa-crime nos crimes contra a concorrência desleal está sujeita à regra própria, prevista no artigo 529 do Código de Processo Penal, que estabelece o prazo de 30 dias para a deflagração da ação penal privada, contados a partir da homologação do laudo técnico relativo à apreensão dos bens utilizados como instrumento do delito, sempre que a iniciativa da vítima abranger pedido de busca e apreensão. Caso a propositura da ação penal privada não seja antecedida de medida cautelar dessa natureza, o seu prazo obedece à regra geral do Código de Processo Penal, segundo a qual “o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de 6 (seis) meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime”.

Pedro Ivo Iokoi esclarece que “até o ajuizamento do pedido de busca e apreensão, o prazo decadencial nos crimes contra a propriedade imaterial (ou industrial) obedece à regra do artigo 38 do Código de Processo Penal e, a partir do ajuizamento da medida cautelar de produção antecipada de prova, à regra do artigo 529 do mesmo diploma legal”[25].

Essa também é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

O conhecimento pelo ofendido da autoria do fato criminoso dá início à contagem do prazo decadencial de 6 meses para a propositura da ação penal privada (art. 38 do CPP); contudo, iniciado procedimento judicial de apuração, em que se objetiva averiguar a autoria ou a materialidade do delito, o prazo decadencial a ser aplicado deve ser o de 30 dias, ex vi do art. 529 do CPP[26].

É possível e adequado conformar os prazos previstos nos arts. 38 e 529, ambos do CPP, de modo que, em se tratando de crimes contra a propriedade imaterial que deixem vestígio, a ciência da autoria do fato delituoso dá ensejo ao início do prazo decadencial de 6 meses, sendo tal prazo reduzido para 30 dias se homologado laudo pericial nesse ínterim.[27]

 

A busca e apreensão preparatória da ação penal de crime de concorrência desleal

 

O deferimento de medida cautelar de busca e apreensão implica supressão casuística da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, consagrada no artigo 5ª, inciso XI, da Constituição Federal, que abrange tanto o local onde a pessoa reside como onde trabalha.[28] Trata-se, pois, de providência excepcionalíssima, por afetar cláusula pétrea, somente podendo ser autorizada se não houver uma forma menos gravosa de alcançar os objetivos persecutórios alvitrados no caso concreto, ante a efetiva demonstração de que alternativas de investigação ordinárias são insuficientes para a apuração da autoria e materialidade do delito.

A invasão de forças policiais do Estado na morada de alguém é sempre algo bastante traumático. O local onde a pessoa dorme e acorda ou trabalha representa, como regra, o seu referencial de tranquilidade e acolhimento, o seu porto seguro. Quando agentes da lei armados ingressam à força na morada de alguém, muitas vezes ao raiar do dia, varejando armários e gavetas, tomando computadores e telefones celulares de quem ali se encontra, o referencial subjetivo da morada é maculado e substituído por uma nova percepção. Depois de uma busca e apreensão, a cada vez que a pessoa adentra num cômodo da sua casa, o conjunto de lembranças agradáveis de algo que ali ocorreu no passado é substituído por uma memória dolorosa constante.

O estrago à reputação do alvo da medida extrema é invariavelmente severo. O ritual da busca e apreensão, com suas sirenes, seus uniformes, suas armas e palavras de ordem, produz naturalmente consequências degradantes do ponto de vista moral. Vizinhos, amigos, funcionários do edifício e arredores, dali em diante, vincularão o destinatário da diligência àquele episódio, produzindo e difundindo ilações sobre o seu caráter e origem de patrimônio. No imaginário coletivo, o alvo sofre uma espécie de capitis deminutio após uma batida policial em sua morada.

São as misérias do processo penal, tão bem retratadas por Carnelutti em sua inesquecível obra homônima.[29]

Com uma pessoa jurídica não é diferente. A execução de uma diligência causa consternação no ambiente de trabalho, espalhando preocupação e desconfiança entre os colaboradores da empresa. Trivialidades do cotidiano, como o acesso e manuseio de documentos e dados, ou o simples fato de se relacionar com um colega, podem se transformar em motivo de questionamentos, pré-julgamentos e insinuações, acirrando ânimos e disputas, com potencial para culminar em abusos e injustiças decorrentes de conclusões açodadas.

A despeito de tudo isso, as particularidades do caso concreto podem sinalizar para a conclusão de que a medida excepcional da busca e apreensão é pertinente e adequada à reunião de vestígios da prática ilícita, como instrumento da busca da verdade.

Em se tratando de infração à livre concorrência que deixe vestígios, a elaboração de exame de corpo de delito, por meio de laudo pericial devidamente homologado pelo juiz, é condição para o recebimento da queixa-crime[30].

Todavia, se a infração se consumou sem deixar vestígios, como às vezes acontece nos crimes de desvio de clientela, o exame pericial é dispensado, podendo a materialidade do ilícito ser comprovada por outros elementos de convicção[31].

Em outras situações, o prejudicado dispõe de acesso às evidências do delito, por meio de um cliente que foi alvo de tentativa de cooptação pelo concorrente, por exemplo, ou por meio de um fornecedor ou prestador de serviço que foi demandado pela empresa concorrente a produzir produto cujas especificidades compunham o segredo do negócio da vítima.

Nesse cenário, José Carlos Tinoco observa que a vítima:

[…] poderá de pronto propor a queixa crime consubstanciada nesses elementos. Não havendo tais elementos ou documentos, deverá então, preliminarmente, propor a vistoria e se for o caso a busca e apreensão, para não só caracterizar o delito pelo exame dos elementos vistoriados, como também para fazer cessar a prática do ato incriminado. A queixa crime será a posteriori apresentada diante do exame pericial dos objetos e/ou elementos que constituem o corpo de delito.[32]

Na situação analisada na presente reflexão, de pessoas inseridas no mercado de trabalho, acusadas de práticas de concorrência desleal, em contexto fático de transição de uma empresa para outra, atuantes em segmentos de atividades idênticos ou similares, nem sempre a vítima terá acesso aos elementos necessários para conferir lastro probatório mínimo para a deflagração da ação penal por crimes contra a concorrência, pois tais documentos sigilosos estarão em posse da concorrente ou do ex-colaborador, de maneira não ostensiva, de modo a impedir que a conduta ilícita seja descoberta. Daí a necessidade de serem apreendidos à força e de surpresa, em contexto de alheamento do autor da infração, com vista à reunião de prova da materialidade do crime de concorrência desleal.

É justamente por isso que a Lei n.º 9.279/76, em seu artigo 200, prevê a medida cautelar preparatória, que, conforme pontua Renato Brasileiro, “é produzida no curso da investigação preliminar, ou seja, antes da deflagração do processo penal, em razão de necessidade concernente ao risco de perecimento probatório ou de se obter maiores elementos para supedanear futura ação penal”.[33]

Paulo Rangel observa que o caráter cautelar da medida de busca e apreensão nos crimes contra a propriedade industrial “salta aos olhos, pois trata-se de medida cautelar real, preparatória da ação penal. Portanto, somente deve ser adotada se presentes seus pressupostos (periculum in mora e fumus boni iuris)”.[34]

Gustavo Badaró esclarece que:

Cabe aos peritos verificar a existência de fundamento para a apreensão, efetuando uma vistoria, examinando e descrevendo tudo o que for encontrado e possa constituir objeto da infração. Os peritos são os árbitros da apuração de ter havido ou deixado de ter existido algum atentado à propriedade imaterial que possa justificar a apreensão. comprovação do corpo de delito. Não poderão ser apreendidos maquinários, estoque de matéria-prima, ou toda a produção de objetos que, em tese, constituam o corpo de delito. Em suma, deve-se apreender somente o que for necessário e suficiente para a realização da perícia e comprovação do corpo de delito.[35] (grifos nossos)

Haverá, pois, situações em que a prática delitiva não poderá ser minimamente demonstrada com os métodos ordinários de investigação, de forma a tornar imperiosa a supressão da inviolabilidade domiciliar para a busca de dados ou documentos capazes de evidenciá-la.

Em casos tais, a parte que requer a busca tem o ônus de individualizar com clareza o que exatamente pretende encontrar na diligência de busca e apreensão. Isso porque, conforme pontua Aury Lopes Jr.:

Os fins da diligência impõem a clara definição – de forma apriorística – do que se busca. Ou seja, impede-se a busca genérica de documentos e objetos.

Se possível, deve ser delimitado o objeto ou objetos buscados, para evitar um substancialismo inquisitório. Se o que se busca é uma arma, que se faça a busca direcionada para isso, não estando a autoridade policial autorizada a buscar e apreender documentos, cartas ou computadores. Em muitos casos, sabe-se, de antemão, o que se busca. Logo, que se defina.

Inclusive, quando a busca é por documentos referentes a uma determinada pessoa, mas que estão na posse de terceiros, especialmente médicos, psiquiatras, psicólogos e até advogados (explicaremos na continuação a busca em escritórios de advocacia), o mandado deve ser estritamente delimitado e assim cumprido.

Explicamos. prontuários que o profissional detém, pois isso seria uma ilegal violação da privacidade e intimidade de terceiros que nada têm a ver com o processo. Imprescindível que o juiz tenha essa preocupação ao expedir o mandado, advertindo expressamente os limites da atuação da autoridade policial.

Portanto, diante de um pedido de busca e apreensão, deve o juiz restringir a finalidade do ato, tendo por base a lógica correlação existente entre a natureza da infração e o tipo de prova. Ou seja, se a busca é pela arma utilizada no crime, a apreensão de um computador não está na linha lógica da prova necessária para esse tipo de delito. Assim, somente os objetos verdadeiramente necessários e úteis à prova é que podem ser apreendidos.[36] (grifos nossos)

 

Além disso, há de ser demonstrado que não há meio menos gravoso para que as evidências de autoria e materialidade do delito sejam reunidas. À luz das características do caso concreto, a imprescindibilidade da invasão do domicílio do autor por forças policiais há de despontar com clareza, pois “a medida de busca e apreensão só se justifica em situações excepcionais, quando houver demonstração da impossibilidade de alcance do objetivo do pedido por outros meios menos invasivos”[37].

Mas em que consistiria a justa causa para a busca e apreensão no contexto de mudança do agente de uma empresa para outra em segmento de atividade igual ou similar?

A seguir será desenvolvido esforço para a identificação de elementos objetivos que permitam responder com segurança mínima a essa indagação.

A importância da cláusula de não concorrência nos crimes de concorrência desleal

Controvérsias com perfil concorrencial frequentemente envolvem pessoas que exercem função técnica executiva altamente especializada[38], em contexto fático de transição de uma empresa para outra, atuantes em segmentos de atividades idênticos ou similares, que podem tomar conhecimento de segredos de indústria e de comércio, de inventos, relativos à estrutura organizacional da entidade, dos métodos específicos para a captação de clientela e, inclusive, da própria clientela. Todo esse acervo de conhecimentos representa a alma do negócio, devendo ser protegido e mantido em sigilo por todos aqueles que têm acesso a tais dados e informações, de modo a manter a vantagem competitiva que a empresa possui no mercado.

Mas esses dados não necessariamente se confundem, como visto, com a habilidade manual ou intelectual naturalmente adquirida pela experiência profissional ou pelo exercício de determinado cargo ou função, ou seja, com o know-how adquirido pelo empregador.

Daí a dificuldade em delimitar quando a fronteira entre o lícito e o ilícito é cruzada em matéria concorrencial, de modo a tornar o comportamento do concorrente efetivamente desleal, e não mero ato regular de atrição concorrencial[39].

Se não há um arquétipo indiciário pré-concebido para a caracterização dos tipos penais de regência nessa seara, a busca por parâmetros objetivos para atenuar esse problema e auxiliar na sua solução mostra-se salutar.

Nesse sentido, a pactuação de cláusula de não concorrência, assim como o termo de confidencialidade, é especialmente importante para a avaliação dos possíveis desdobramentos da conduta do ex-colaborador na seara criminal, pois cria parâmetro minimamente objetivo para distinguir se determinado comportamento ocorreu dentro de um espaço de não concorrência ou é um mero ato de atrição concorrencial.

De fato, para evitar polêmicas futuras, é recomendável a previsão, ex ante, de uma “peculiar cláusula no estatuto social ou de um pacto adjacente específico para vedar a concorrência”[40], no ato da assinatura do contrato de trabalho ou de inclusão na sociedade, com o objetivo de modular quais, quantos e por quanto tempo determinados dados devem ser preservados pelo contratado ou sócio.

Essa cautela é importante porque cria ao menos um parâmetro objetivo para servir de ponto de partida para a avaliação da presença de justa causa para a persecução penal no futuro, em cenário de descumprimento do dever de abstenção de realizar condutas não concorrenciais, embora, por si só, não possa ser tida necessariamente, de forma automática, como suficiente para atestar a ocorrência do ilícito.

No ponto, não basta que um agente de mercado classifique determinada informação como confidencial para que a ordem jurídica tutele o direito à preservação desse segredo. É indispensável que essa informação possa influir de forma razoável na competição empresarial. Além disso, pontuam Leonam Machado e Rodrigo Corrêa, “que o agente deverá zelar para que essa informação não saia de seu domínio. Como profissional que é, o titular do segredo de negócio deve se cercar daqueles cuidados, que normalmente o bom profissional tomaria para impedir que a informação sigilosa fosse indevidamente revelada. Um descuido no desempenho desse mister, pode significar a perda da proteção jurídica ao segredo[41] (grifos nossos).

Isso não quer dizer que essas informações devam ser guardadas em um cofre, ao qual somente uma pessoa tenha acesso, mas, sim, que é necessário pactuar em documentos formais a previsão de sigilo de dados, uma vez que é característica desse tipo de informação a sua circulação na esfera restrita de um determinado grupo de pessoas, interligadas por circunstâncias fáticas ou jurídicas, como em razão de trabalharem em determinada pesquisa ou de serem responsáveis pelo processo de produção de um determinado produto.

Daí a importância do acordo de confidencialidade e da cláusula de não concorrência na aferição da presença de lastro probatório mínimo para a deflagração da persecução penal nesse tipo de caso.

Se, por um lado, é certo que a lei penal especial ora analisada, independentemente da pactuação de acordo de confidencialidade e de cláusula de não concorrência, ampliou no tempo o dever de fidelidade em relação ao vínculo laboral, mesmo após a resolução contratual ou empregatícia, não é menos exato, por outro, que a Convenção da Organização Mundial de Comércio, em seu artigo 39, também delimitou relevantes parâmetros para a caracterização de atos de concorrência desleal, conforme previsto em seu artigo 39, itens 1 e 2, TRIPs[42]:

  1. Ao assegurar proteção efetiva contra competição desleal, como disposto no Artigo 10bis da Convenção de Paris (1967), os Membros protegerão informação confidencial de acordo com o parágrafo 2 abaixo, e informação submetida a Governos ou a Agências Governamentais, de acordo com o parágrafo 3 abaixo.
  2. Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas (10)13, desde que tal informação:

(a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes;

(b) tenha valor comercial por ser secreta; e

(c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.

(grifos nossos)

 

Assim, o acordo de confidencialidade e o pacto de não concorrência despontam como relevantes evidências objetivas de precauções razoáveis e de ciência dos limites em relação aos deveres do colaborador da empresa, para indicar quais são os segredos do negócio que devem ser resguardados e por qual período. A ausência desses instrumentos contratuais aumentará a margem para dúvidas sobre se o ato foi praticado dentro de uma zona de não concorrência, ou até mesmo se foi praticado de forma intencional ou não, aspecto de notável importância para a configuração do crime de concorrência desleal, que não é punível a título de culpa, à luz do disposto no artigo 13, parágrafo único, do Código Penal[43].

Por se tratar de ações concretas, passíveis de identificação com clareza, a celebração ex ante do termo de confidencialidade e do pacto de não concorrência trará maior segurança na eventual futura análise da presença de justa causa para a deflagração da persecução penal em casos de concorrência desleal, bem como para a implementação da medida de busca e apreensão prevista nos artigos 200 e seguintes da Lei n.º 9.279/76.

Aferição da justa causa para a busca e apreensão a partir da análise de casos concretos

 

Neste tópico, em esforço para demonstrar em termos práticos as noções desenvolvidas nas linhas anteriores, externaremos a nossa opinião a respeito de casos concretos de pessoas inseridas no mercado de trabalho, acusadas de práticas de concorrência desleal, em contexto fático de transição de uma empresa para outra, atuantes em segmentos de atividades idênticos ou similares, com a devida preservação da identidade das partes.

Vejamos.

Caso 1 – presença de justa causa para a medida cautelar de busca e apreensão

O agente, então detentor de participação minoritária em empresa do mercado financeiro, comunicou formalmente aos demais sócios acerca de sua retirada da companhia e pouco tempo depois divulgou publicamente que ingressara em outra companhia do mesmo segmento de atividade.

Quando de seu ingresso na sociedade, o agente havia assinado termo de compromisso com as regras de ética e compliance, termo de confidencialidade e termo de propriedade intelectual, comprometendo-se a não se apropriar nem tampouco fazer uso de arquivos e documentos aos quais teve acesso após o seu desligamento da companhia.

A despeito da sua expressa anuência aos termos de compromisso, de confidencialidade e de propriedade intelectual anteriormente mencionados, o agente realizou acessos não autorizados aos sistemas informatizados da empresa posteriormente à comunicação de que estava se desligando do seu quadro societário.

Em tais acessos, o agente se apropriou indevidamente de inúmeros dados sigilosos da empresa, copiando-os, conforme atestado por relatório de análise técnica elaborado por expert em tecnologia da informação.

A violação pelo agente do termo de compromisso com as regras de ética e compliance, termo de confidencialidade e termo de propriedade intelectual da empresa, aliada à evidência técnica de acesso indevido a dados posteriormente à sua saída, consubstancia justa causa para a deflagração da persecução penal e para a propositura de medida cautelar de busca e apreensão, considerando-se que o conhecimento prévio do agente a respeito da apuração dos fatos na seara criminal possui aptidão para comprometer a produção da prova da materialidade acerca do ilícito perpetrado, inexistindo outra forma de obter tais evidências por meios menos invasivos.

Caso 2 – ausência de justa causa para a medida cautelar de busca e apreensão

Acusação formulada por uma empresa contra ex-funcionários que optaram por deixar seus quadros para criar uma companhia concorrente no segmento da tecnologia da informação.

A vítima alega que, após a saída dos ex-funcionários, passou a ser constantemente derrotada em disputas comerciais pela empresa concorrente por esses criada, sempre por pequenas margens de diferença nos preços das propostas apresentadas.

Em razão disso, a vítima contratou expert independente para realizar pesquisas em seus bancos de dados para verificar se seus segredos negociais haviam sido indevidamente violados. O expert constatou que os ex-funcionários, no exercício de suas atividades junto ao ex-empregador, acessaram os códigos-fontes dos softwares desenvolvidos pela empresa e os baixaram para os seus próprios computadores corporativos. Além disso, o expert constatou diversos acessos sem identificação aos hard disks virtuais da nuvem da empresa, o que permitiria o upload de informações sigilosas. Por fim, uma testemunha, que trabalha na empresa tida como vítima, afirma que teria feito, a pedido de um dos ex-funcionários, backup dos seus correios eletrônicos e de documentos armazenados em seus computadores corporativos, no mês em que se desligaram da companhia.

A constatação de que a empresa concorrente ganhava a disputa de preços por margem apertada, por si só, não é elemento idôneo a conferir justa causa para a medida cautelar de busca e apreensão, por refletir mero ato de atrição concorrencial. Tampouco a constatação de que os ex-funcionários baixaram dados para seus computadores corporativos, por se tratar de conduta inerente ao trabalho que desenvolviam, sendo certo que os equipamentos foram por eles devolvidos normalmente à empresa no momento do término da relação laboral, não havendo evidência de subtração de dados.

Em outras palavras, dentro da lógica restritiva do Direito Penal, o fato de os ex-funcionários terem acessado e baixado arquivos do sistema para o computador da empresa não necessariamente implica que exploraram ou utilizaram indevidamente tais dados.

Ademais, não havia cláusulas de confidencialidade e de não concorrência pactuadas, de modo a tornar ainda mais rarefeita a justa causa para a persecução penal, à falta dessas relevantes balizas formais objetivas.

O caso pode ser encarado, na realidade, como tentativa da empresa que se dizia vítima de atentar contra a livre concorrência, conhecido no direito norte-americano por sham litigation, o que afasta a presença de justa causa para deflagração da persecução penal e também para a medida cautelar de busca e apreensão preparatória.

Caso 3 – Presença de justa causa para a medida cautelar de busca e apreensão

A vítima oferece aos seus clientes soluções em segurança e tecnologia.

Por possuir clientes que atuam em setores sensíveis, como instituições financeiras e joalherias, por exemplo, a vítima conduz suas atividades sob rígidas regras de sigilo, exigindo de seus funcionários e parceiros (empresas terceirizadas) uma rigorosa política de confidencialidade.

Em dado momento, um diretor da empresa e seus subordinados que ocupavam cargos de gerentes de uma mesma área pediram demissão e, em comum acordo com a vítima, criaram nova pessoa jurídica para prestar serviços com exclusividade à própria empresa vítima, nos termos de contrato celebrado para esse fim.

Ocorre que, na vigência desse contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, foi descoberto que os ex-funcionários descumpriram o acordo de exclusividade e estavam prestando serviços a uma terceira empresa. Ademais, eles se apropriaram de arquivos sigilosos da vítima e os encaminharam a essa outra empresa cujos sócios tinham laços familiares com eles.

Há no caso justa causa para a persecução penal e para a medida de busca e apreensão, demonstrada pelos seguintes elementos:

1 – análise técnica atestando que e-mails foram enviados do servidor da vítima, utilizando endereço corporativo, contendo mensagens e anexos com informações sigilosas de clientes seus, para o endereço corporativo de pessoa vinculada à empresa concorrente, voltada para prestação de serviços no mesmo segmento de atividade;

2 – a comparação entre os contratos sociais das duas empresas revelando objeto idêntico;

3 – descumprimento de cláusula de non compete expressamente pactuada;

4 – declaração de cliente da vítima informando que o ex-diretor, em parceria com a terceira empresa, estaria desenvolvendo para ele um projeto de segurança, sem a participação da vítima, ainda durante a vigência do contrato de prestação de serviços exclusivos entre as empresas;

5 – declaração de um fornecedor da vítima, evidenciando que os noticiados estão fazendo uso de um vídeo promocional pertencente a sua propriedade para realizar apresentações da empresa concorrente, a fim de desviar clientela;

6 – o conhecimento prévio do agente a respeito da apuração dos fatos na seara criminal possui aptidão para comprometer a produção da prova da materialidade acerca do ilícito perpetrado, inexistindo outra forma de obter tais evidências por meios menos invasivos.

Caso 4 – ausência de justa causa para a medida cautelar de busca e apreensão

Com o intuito de obter prova de materialidade dos delitos de concorrência desleal para posterior oferecimento de queixa-crime, a Escola X propôs medida cautelar de busca e apreensão em face de diversas pessoas ligadas à Escola Y, entre elas a sócia administradora da primeira, que abriu outro estabelecimento de ensino a duas quadras de distância, desviando a clientela daquela, por meio de emprego de meio fraudulento que induziu ao erro os pais dos alunos até então vinculados à Escola X.

A Escola X alega que fora surpreendida pelo pedido de desligamento de oito funcionárias e de sua sócia administradora, e também pela notícia de que houve diversas reuniões informando aos pais que a instituição encerraria suas atividades, mas que o mesmo serviço já conhecido, com a mesma equipe, teria continuidade na Escola Y.

Tal expediente ocasionou drástica perda de alunos e severa queda de receitas da Escola X, tornando-a deficitária.

A vítima alega que os seus ex-colaboradores que fundaram a Escola Y subtraíram e exploraram os seus clientes, funcionários e know how, aos quais tinham acesso e poder de influência por força do cargo que ocupavam, além de terem empregado expediente fraudulento enquanto exerciam funções na Escola X, com o objetivo de desviar a clientela.

Em seu pedido cautelar, a Escola X apresentou detalhada lista do que pretendia buscar e apreender tanto na Escola Y como na residência das suas ex-colaboradoras, e também no escritório de seus contadores, abrangendo contratos de serviços educacionais, fichas de matrículas, quaisquer correspondências e até mesmo a agenda e as fotografias de mural das crianças.

O pedido cautelar foi instruído com atas notariais contendo depoimentos de mães de alunos, relatando o ocorrido.

Nesse caso, embora não houvesse previsão de cláusula de non compete ou de confidencialidade, a justa causa para a deflagração da persecução penal ainda assim está caracterizada, tendo em vista os depoimentos de testemunhas que narraram o uso de expediente artificioso para desviar clientela da Escola X para a Escola Y.

Entretanto, inexiste justa causa para o deferimento de busca e apreensão, ao menos como providência inaugural da persecução penal, uma vez que os documentos que a vítima pretende alcançar com a medida extrema podem ser obtidos por meios menos invasivos, não havendo razão para crer que a identificação dos alunos que migraram da Escola X para a Escola Y restaria inviabilizada pelo fato de os seus dirigentes tomarem conhecimento de apuração criminal em andamento.

Fotografias e agendas das crianças, ademais, são documentos que contêm informações sobre a intimidade das suas famílias, merecendo, portanto, cuidado e proteção diferenciados, com vista à preservação dos seus conteúdos.

O mesmo se diga em relação à própria escola enquanto instituição, por se tratar de local onde crianças e jovens convivem em torno do nobre objetivo de adquirir conhecimento e esclarecimento, a toda evidência incompatível com a presença de policiais armados vasculhando as dependências do estabelecimento, turbando a rotina dos jovens que nada têm a ver com o motivo da controvérsia concorrencial.

Por fim, o profissional de contabilidade que presta serviços à nova escola concorrente não pode ser alvejado com a invasão do seu domicílio profissional por ricochete, apenas porque desenvolve uma atividade lícita para alguém que está a cometer uma infração que, em tese, não é do seu conhecimento.

Conclusões

No âmbito das relações contratuais ou empregatícias, sobretudo aquelas que lidam com segredos de indústria, comércio ou prestação de serviços, o pacto formal entre as partes acerca da necessidade de observância de deveres de não concorrência e de confidencialidade é especialmente importante para a avaliação dos possíveis desdobramentos jurídicos em torno dos tipos penais contidos no artigo 195, incisos III, XI e XII, da Lei n.º 9.279/76, pois cria parâmetros minimamente objetivos para distinguir se determinado comportamento ocorreu dentro de um espaço de não concorrência ou se representa mero ato de atrição concorrencial.

Além disso, para atender a esse mesmo escopo, é desejável que exista algum nível de disciplina e controle internos do manuseio e fluxo de dados corporativos por sistemas informatizados, considerando-se que, na quadra atual em que vivemos, toda (ou quase toda) ação humana deixa vestígios digitais, passíveis de identificação e individualização posterior, o que será facilitado pela existência de rotinas preestabelecidas e uma cultura de preservação de sigilo conhecida por todos os colaboradores da corporação.

Se, por um lado, não é possível pré-conceber fórmulas padronizadas para delimitar o piso de justa causa para a deflagração da persecução penal em sede de crimes concorrenciais, em especial sob a perspectiva da presente reflexão, o cotidiano forense revela um elenco de evidências que com certa frequência têm sido aceitas para esse fim, cumulativamente ou não, a exemplo de análises de experts em tecnologia da informação, atestando fluxos de dados suspeitos ou irregulares por sistemas informatizados, e depoimentos de testemunhas contendo relatos das práticas ilícitas, além da constatação de que regras de não concorrência e de confidencialidade formalmente ajustadas ex ante foram descumpridas.

A presença de justa causa, consubstanciada em indícios de autoria e materialidade da prática ilícita, não é suficiente para, por si só, permitir a autorização da excepcional medida de busca e apreensão, que depende da simultânea presença e demonstração de que a invasão do domicílio do autor por forças policiais efetivamente se justifica, porque alternativas de investigação ordinárias são insuficientes para a apuração dos fatos, e considerando-se que o conhecimento prévio do agente a respeito de uma investigação poderá comprometer a produção da prova acerca da infração perpetrada.

 

 

 

[1] STF, RE nº. 5.232/SP, Relator Ministro Edgard Costa, Segunda Turma, julgado em 11 de outubro de 1949, p. 3.262 (RT 184/914).

[2] PIERANGELI, José Henrique. Crimes contra a propriedade industrial e crimes de concorrência desleal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 267.

[3] BARBOSA, Denis Borges. A Concorrência Desleal e sua vertente parasitária. In: Revista da ABPI, n°. 61, 2002, pp. 19-34.

[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol. 1. 21. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 219.

[5] José Henrique Pierangeli esclarece que a Lei n.º 9.279/96 “ao referir-se a uma duplicidade de relações, a contratual ou empregatícia, exclui da generalidade dos contratos, o contrato de trabalho – expressamente considerado – para abranger o contrato de constituição de uma sociedade empresarial” (PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 371).

[6] Código Civil, art. 1.001: “As obrigações dos sócios começam imediatamente com o contrato, se este não fixar outra data, e terminam quando, liquidada a sociedade, se extinguirem as responsabilidades sociais”.

[7] BARBOSA, Pedro Marcos Nunes. Contenda Societária e Concorrência Desleal no Mercado de Games. Revista Brasileira de Direito Civil, vol. 21, nº. 03, 2019, pp. 193-246. Disponível em: <https://rbdcivil.ibdcivil.org.br/rbdc/article/view/471/314>. Acesso em: 9 jun. 2022.

[8] SOUZA, Leonam Machado de; CORRÊA, Rodrigo de Oliveira Botelho. A legalidade da obrigação de confidencialidade e pacto de não concorrência. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=2ba3c4b9390cc43e>. Acesso em: 30 maio 2022.

[9] Nesse sentido: COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

[10] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Atlas, 2012. p. 133.

[11] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 385.

[12] BELTRAN, Ari Possidonio. A Cláusula de Não Concorrência no Direito do Trabalho. In: Revista do Advogado, v. 54, dezembro de 1998, p. 63.

[13] NERY JR., Nelson. Cláusula de não concorrência e seus requisitos – prejudicialidade externa entre processos. In: Soluções Práticas de Direito, vol. 7, Set. 2014, pp. 467-513.

[14] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso… Op. cit. p. 351.

[15] “Considerando que o reclamante foi financeiramente compensado pela cláusula contratual de não concorrência, cujo prazo de duração era razoável, e teve o direito de exercício da sua profissão preservado não se constata o caráter abusivo desta previsão contratual, o que afasta a alegação de ofensa ao artigo 444 da CLT” (TST, Ag-ARR nº 1002437-53.2015.5.02.0466, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, Segunda Turma, julgado em 09 de junho de 2021, unânime).

[16] “Enquanto não estiver formalizada sua retirada da sociedade, não pode o agravante integrar quadro societário de empresa que desempenhe função no mesmo ramo de atividade da agravada e que concorra com ela” (TJSP, AI nº. 189311-54.2015.8.26.0000, Relator Desembargador Pereira Calças, Décima Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 2 de março de 2016, unânime).

[17] TJSP, Apelação Cível nº. 1020068-51.2014.8.26.0005, Relator Desembargador Carlos Dias Motta, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgado em 03 de maio de 2017, unânime.

[18] PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 375.

[19] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, vol. VII. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955, p. 375.

[20] FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal, vol. 2. São Paulo: Editora José Bushatsky, 1962, p. 348.

[21] PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 301.

[22] TJSP, Apelação nº. 648.585-4/9-00, Relator Desembargador Reis Kuntz, Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 06 de agosto de 2009, unânime.

[23] CRIMES DE CONCORRÊNCIA DESLEAL (LEI 9.279 DE 14.05.1996 – ART. 195). Revista dos Tribunais, vol. 738/1997, p. 467-495, abr. 1997. Doutrinas Essenciais de Direito Penal Econômico e da Empresa, vol. 2, p. 975-1015, jul. 2011, DTR\1997\208.

[24] DELMANTO, Celso. Crimes de concorrência desleal. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975, p. 220.

[25] IOKOI, Pedro Ivo Gricoli. A apreensão no procedimento dos crimes contra a propriedade imaterial. 2013. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Doi: 10.11606/T.2.2013.tde-05122013-092930. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-05122013-092930/>. Acesso em: 9 jun. 2022.

[26] STJ, HC nº 91.101/RJ, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 17 de junho de 2008, unânime.

[27] STJ, REsp 1.762.142/MG, Relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 13 de abril de 2021, unânime.

[28] Nesse sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 603.616, com repercussão geral reconhecida, reconheceu que “para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de ‘casa’ revela se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais”.

[29] Segundo Carnelutti, “[…] quando um homem está sob a suspeita da comissão de um delito, já se encontra atirado às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição que nos traz a ilusão de garantir a incolumidade do acusado é, praticamente, inconciliável com um outro que sanciona a liberdade de imprensa. Tão logo surge a suspeita, o acusado e sua família, são inquiridos, requeridos, examinados e colocados em uma berlinda em sua própria casa, no seu trabalho, diante de todos. Assim, se reduz a pó o indivíduo, que, recordemos, é o único valor que deve ser protegido pelo direito da civilização” (p. 70). Em razão disso, Carnelutti pontua que “[…] não se pode esconder que o Direito e o Processo Penal, como toda a obra de homens, estão cheios da miserável limitação da criação humana; é preciso conscientizar as pessoas sobre estas limitações, para que a civilização avance em progresso e civilidade” (As misérias do processo penal. Campinas: Editora Servanda, 2015, p. 90).

[30] Nesse sentido: TJRJ, HC nº 0004232-07.2010.8.19.0000, Relator Desembargador Katia Jangutta, Segunda Câmara Criminal, julgado em 01 de junho de 2010, unânime.

[31] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 616.

[32] SOARES, José Carlos Tinoco. Crimes contra a propriedade industrial e a concorrência desleal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1980, p. 168.

[33] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2016, p. 835.

[34] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 288.

[35] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, RB 13.94 (e-book).

[36] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, pp. 815-817.

[37] TRF-1ª Região, Apelação Criminal nº. 0001670-65.2016.4.01.3810/MG, Relator Convocado Juiz Federal Guilherme Mendonça Doehler, Terceira Turma, j. 14 de junho de 2017, unânime.

[38] São justamente essas pessoas que têm um dever de lealdade e de não concorrência mais intenso. Conforme explica Maria Clara Sottomayor “o dever de lealdade, enquanto boa fé na execução do contrato, deve ser graduado consoante o grau de responsabilidade e das funções do trabalhador, assumindo um conteúdo mais intenso em relação a trabalhadores que ocupam cargos de responsabilidade, de cujo bom desempenho depende a viabilidade e o equilíbrio financeiro da pessoa colectiva, por exemplo, trabalhadores com quem a empregadora tem uma relação de especial confiança, porque lhes transmite informações ou outros valores, que apenas podem ser utilizados em proveito do empregador ou que apenas redundam em benefício indirecto do trabalhador, por exemplo, sob a forma de retribuição ou participação nos lucros” (Dever de lealdade dos trabalhadores e tutela do fim das pessoas coletivas. In: Para Jorge Leite Escritos Laborais, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pp. 981 e ss.).

[39] Do contrário, a jurisprudência padrão nesses casos será sempre a seguinte: “O crime em questão só se configura quando há utilização, no caso, de elementos confidenciais, que se constituam em sigilo de fábrica, ou que não sejam evidentes para um técnico. Ausente prova de tal elementar, que se mostrou frágil e dúbia nesse ponto, não se tipifica o ilícito penal. A dúvida que se instala conduz à solução absolutória. Apelo desprovido, corrigido o fundamento da absolvição e rejeitada a prefacial de intempestividade” (TJRS, Apelação Crime nº. 70004038485, Relator Desembargador Luís Carlos Ávila, Sétima Câmara Criminal, julgado em 4 de março de 2004, unânime)

[40] Barbosa, Pedro Marcos Nunes. Contenda Societária e…, op. cit., pp. 193-246.

[41] SOUZA, Leonam Machado de; CORRÊA, Rodrigo de Oliveira Botelho. Op. cit. p. 4.

[42] Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/42593/mod_resource/content/1/%20Trips%20-%20Acordo%20sobre%20aspectos%20dos%20direitos%20de%20propriedade%20intelectual%20relacionados%20ao%20com%C3%A9rcio.pdf.

[43] PIERANGELI, José Henrique. Op. cit. p. 371.

 

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