17 mar A nova criminologia administrativa
Pedro Augusto Amaral Dassan
Advogado. Mestrando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal.
Especialista em Direito Penal Econômico Internacional e Europeu pelo IDPEE da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. Pós-graduado em Direito
Penal e Processo Penal pela UNICURITIBA. Pós-graduado em Direito e Processo Tributário Empresarial pela PUC-PR. E-mail: pedrodassan@gmail.com
Cassiano Gil
Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestrando em
Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: cassiano_gil@yahoo.com.br
Ricardo de Sousa Fonseca
Promotor de Justiça Adjunto no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Mestrando em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal. E-mail: ricardosfonseca@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho busca traçar um panorama geral sobre a chamada nova criminologia administrativa como uma nova maneira de se tratar a criminalidade, caracterizada pelo abandono da etiologia criminal, pautada em uma atuação pragmática de prevenção situacional e baseada na ideia da racionalidade humana como propulsor da delinquência, abordando-se, assim, as três principais teorias abarcadas por este novo pensar: a teoria das atividades rotineiras, da escolha racional e da prevenção situacional.
PALAVRAS-CHAVE: Nova criminologia administrativa; prevenção situacional; escolha racional; atividades rotineiras.
ABSTRACT
This study aims to outline a general overview about the new administrative criminology as a new way to deal with crime, characterized by the abandonment of criminal etiology, based on a pragmatic acting of situational prevention and on the idea of human rationality as a driver to delinquency, approaching thus the three main theories embraced by this new idea: the routine activity theory, rational choice and situational crime prevention.
KEYWORDS: Thenew administrative criminology; Situational crime prevention; Rational choice; Routine activity theory.
INTRODUÇÃO
A prevenção do crime não é algo que se busca apenas recentemente. Na era das monarquias absolutas a prevenção do crime traduziu-se em castigo severo e exemplar, como o enforcamento e o açoite. Já durante o iluminismo, a prevenção do crime foi associada à certeza e prontidão da sanção penal, prevista na lei, mais do que com a sua dureza e crueldade infamantes. Contudo, “nos últimos anos, a noção de prevenção do crime tem olhado de forma crescente para além do sistema de justiça penal para incluir estratégias baseadas na comunidade e métodos situacionais para diminuir as oportunidades de cometer delitos”[1].
A expansão da criminologia administrativa decorreu da própria administrativização geral da sociedade. A ascensão da nova gestão pública neoliberal, com ênfase na relação custo-eficácia, a definição de metas, a construção de indicadores de desempenho e resultados, gradualmente permeou grande parte da sociedade, incluindo o sistema de justiça criminal[2].
Essa prioridade mais recente para ações de prevenção situacional do crime deve-se também à percepção da ineficácia do efeito preventivo geral da sanção penal (cumprimento da lei) e de que a imposição generalizada da pena privativa de liberdade é contraproducente, pois geradora de delinquência (crimes praticados no interior das prisões) e reincidência (falha na ressocialização), além de subtrair do Estado recursos indispensáveis para financiar setores importantes como a educação e a saúde.
Esvaiu-se a confiança no ideal de transformação, ou seja, na possibilidade de eliminação ou de intervenção eficaz sobre as causas do crime por meio da reabilitação dos delinquentes ou da modificação dos contextos sociais nos quais eles estão inseridos, até então sustentado pelas teorias criminológicas que se desenvolveram na segunda metade do século XX. Frente ao aumento da criminalidade, houve a percepção generalizada de que tais teorias tinham pouca eficácia prática.
Com isso, demarca-se o surgimento de um pensamento neoliberal, no qual o controle da criminalidade é orientado pela eficácia, objetivando prover a máxima segurança com o mínimo de recursos dispendidos. O objetivo é agir antes que o crime ocorra. As políticas criminais passam a trabalhar no sentido do gerenciamento de risco, valendo-se de uma lógica atuarial para traçar perfis de potenciais delinquentes e vítimas preferenciais, e identificar situações propícias ao crime[3].
Além disso, em maior ou menor grau, dissemina-se a ideia de que o crime faz parte do cotidiano das pessoas, configurando um fato da vida moderna com o qual é necessário conviver, ou melhor, avaliar e administrar, assim como os acidentes de trânsito. O crime não é mais um problema patológico de certos indivíduos ou de grupos sociais desajustados, passando a ser encarado como um evento normal, que acontece no curso ordinário da vida em sociedade, sequer demandando explicação etiológica.
Diante de taxas persistentemente altas de criminalidade, da reconhecida incapacidade das instâncias formais de controle na sua contenção e da ineficiência das políticas assistenciais até então implementadas (Welfare State), a nova forma de combater o crime organiza-se em torno de teorias econômicas, pelas quais o criminoso figura como um consumidor hedonista racional, oportunista, sensível às motivações situacionais e relativamente livre de controles internos ou externos[4].
Os criminólogos administrativistas são céticos a respeito da capacidade do sistema penal para frear a delinquência[5]. Para eles, a maior parte da criminalidade é racional e oportunista. São pequenos crimes que se valem da falha de controles para serem cometidos.
A riqueza e a abundância advindas com o desenvolvimento urbano multiplicam as oportunidades e aumentam o valor dos “alvos”. Por outra parte, o anonimato da vida moderna diminuiu os riscos. Ambos os fatores explicam, per si, o aumento das taxas reais de delitos, em especial contra o patrimônio, pelo que não há que se buscar causas muito profundas para esse tipo majoritário de delinquência.
Nesse contexto, o homem delinquente deixa de ser o referencial para o saber criminológico, que passa a se concentrar no estudo das variáveis situacionais capazes de explicar a tomada de decisão para o cometimento do crime e a vitimização, especialmente no caso dos delitos contra a propriedade cometidos no interior de residências, estabelecimentos comerciais e em locais públicos, que mais afligem a população.
A criminologia administrativa procura não só manipular o ambiente, como também influenciar a decisão (abstenção) do potencial criminoso, mediante a análise das oportunidades que facilitam a ação dos delinquentes e dos riscos envolvidos na prática dos crimes. É mais fácil e eficaz centrar-se no controle situacional da criminalidade, pois o objetivo não é derrotar o crime, mas simplesmente racionalizar a operabilidade dos sistemas que admitem gerir a criminalidade com base em valorações estatísticas e atuariais.
Assim, a criminologia administrativa é não-ideológica, pragmática e tecnocrática, constituindo um gênero que abrange uma variedade de perspectivas teóricas e pesquisas investigativas sobre o desenvolvimento da criminalidade e a distribuição da vitimização, como a teoria da atividade de rotina, da escolha racional e da prevenção situacional, que serão adiante abordadas.
2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A criminologia, como forma de conhecimento e estudo da criminalidade de maneira sistemática, encontra suas raízes nos ideais estabelecidos a partir da cartilha iluminista da segunda metade do século XVIII[6], com ampla vinculação à teoria política, dirigida à proteção do cidadão frente ao poder do Estado e, nesta fase, mais atrelada à legislação penal.
Este novo pensar no âmbito penal reflete a questão política da época, com a ascensão da burguesia que passa a ter o controle político estatal e se movimenta para frear arbitrariedades de poder até então dominantes com a monarquia[7]. Mais tarde, esses novos pensamentos penais foram tarjados de “escola clássica criminológica” pela “escola positivista”, que sobreveio no cenário do estudo do crime no século XIX. O iluminismo trouxe consigo expectativas de contenção da criminalidade, fato este que não se observou na prática, diante de seu constante crescimento e diversificação[8].
Motivado pela ineficiência pragmática do pensamento político-penal-humanista
da escola clássica, a escola positivista começou a ganhar força em um ambiente de grande desenvolvimento industrial, no qual o homem passou a elaborar técnicas de controle da natureza, acreditando, assim, que a técnica poderia superar qualquer limite[9].
A ciência do dever-ser dá lugar à ciência do ser, caracterizando o modelo filosófico da segunda metade do século XIX como aquele que tudo consegue explicar pelas leis da física, na lei da causa e efeito, inclusive que o crime é efeito de causas genotípicas ou do ambiente que provocam o sujeito a praticar delitos, independentemente de sua vontade. Nasce assim a etiologia criminal, onde a criminologia busca compreender as causas do crime, mediante a aplicação de rigoroso método científico.
As investigações criminológicas passam a adotar o suporte teórico e metodológico do positivismo, tendo por premissas bases a negação do livre-arbítrio e a crença no determinismo. O homem é visto como um ser anormal, movido pelo determinismo biológico (Lombroso) ou, ainda, para outras correntes positivistas, pelas condicionantes sociológicas (Ferri) ou por elementos psicológicos (Garófalo).
Foi no século XIX que se consolidou a sociologia criminal, com uma abordagem do crime como fenômeno coletivo, sujeito a um determinismo sociológico, muito por conta do fenômeno da industrialização, que trouxe inegáveis consequências sociais, tais como a formação de subúrbios degradados moral e materialmente.
Os estudos passaram a fazer uso das estatísticas das condenações judiciais e dar enfoque predominantemente ecológico ou cartográfico, notas fundamentais da escola franco-belga, representada por G. Guérry e A. Quételet. No entanto, foi com as obras de Durkheim, Lacassagne e Tarde que a sociologia criminal recebeu os contornos mais duradouros, com as ideias, respectivamente, de anomia; de que a miséria é uma condicionante da criminalidade e pelas leis de imitação[10].
Importante citar, ainda, a ideia do Labeling Approach (1960), que questiona os valores que estão por trás da reação social à conduta desviada e pela influência do papel das instâncias formais na delinquência secundária, que acaba por configurar uma “profecia que a si mesma se cumpre”, nas palavras de R. Merton[11], além da existência de cifras negras.
As pesquisas desenvolvidas pela sociologia criminal estabeleceram um novo marco no estudo do crime, que se afastou do estereótipo delinquente positivista, definindo o crime como um fenômeno social e o delinquente como uma pessoa normal (“criminologia do eu”). Ademais, evidenciou uma criminalização seletiva e discriminatória das instâncias formais de controle, muito bem demonstrada na investigação sobre a criminalidade financeira promovida por Edwin H. Sutherland (Teoria da Associação Diferencial – 1939-1947)[12].
Na verdade, a perspectiva interacionista (Labeling Approach) desenvolvida na década de 60 do século passado, representou uma verdadeira revolução, pavimentando a estrada para uma nova criminologia ou “criminologia crítica”, cujo campo de estudo deixou de ser os motivos que levam as pessoas a cometerem crimes (ontológico), para se dirigir ao próprio sistema de controle, seus mecanismos de seleção e sua legitimidade (reação social).
Com esse viés, por volta de 1970, ganha força a criminologia radical (Marxista)[13], contemporaneamente seguida pelos idealistas de esquerda (ainda mais radical), que identifica as instâncias formais de controle como responsáveis pela criação do crime e do criminoso, a serviço dos poderes políticos e econômicos da sociedade capitalista.
Em outras palavras, a criminalização promovida pelas instâncias formais de controle seria expressão da estrutura conflitual da sociedade, atuando sobre a classe trabalhadora para privilegiar os interesses das classes dominantes. Em uma visão romântica, o crime passou a ser entendido como insurgência heroica à desigual e injusta distribuição de poder na sociedade.
Enquanto a criminologia se desenvolvia e se diversificava na tentativa de se explicar a criminalidade, o mundo passava por transformações significativas, em especial após a segunda guerra mundial, época em que houve grande comprometimento político com o chamado Welfare State e se acreditava que os problemas sociais seriam abrandados com o alto desenvolvimento econômico de grandes nações, resultando, desta forma, em uma sensível redução da criminalidade.
Entretanto, não foi isso que se observou na prática. A partir dos anos 60 houve um crescimento sem precedentes das taxas de criminalidade nos países ocidentais, aumentando a pressão popular sobre o sistema político por medidas eficazes para sua contenção. Com isso, os governantes foram impelidos a buscar novas abordagens com um viés mais pragmático[14].
A etiologia positivista falhou no seu intento. O idealismo de esquerda, até então consolidado, passa a ser rechaçado em razão da maneira romantizada com que trata o delito, entrando em crise, nas palavras de Young, na medida em que percebe que as classes trabalhadoras menos favorecidas igualmente são vítimas de crimes, momento em que se fortalece as ideias dos realistas de direita e de esquerda, que procuram abarcar o alcance do delito adequadamente[15].
Este momento de crise ficou marcado pela expressão “nothing works”, de Robert Martinson, em que o autor se referia ao fato de que nada funciona no sistema penal, que o tratamento carcerário não leva a nada e, por isso, a criminologia não dá uma resposta adequada ao que funciona para conter a criminalidade[16].
Há, então, uma mudança de paradigma do “nothing works” para um “what works?”, que envolve uma mudança do pessimismo para o pragmatismo, isto é, passa-se a buscar uma abordagem mais dissociada da teoria, abdicando a ideia de ressocialização.
Entre essas novas perspectivas pragmáticas encontra-se a que Jock Young chamou de “criminologia administrativa”, desenvolvida na Unidade de Pesquisa e Planejamento do Ministério do Interior inglês, sob a liderança de Ronald V. Clarke, que justamente se afasta dos estudos da etiologia criminal e se aproxima da política criminal para uma maior atuação no sentido de se reduzir a oportunidade delitiva (prevenção).
Sob a perspectiva da criminologia administrativa, os criminólogos atuam sob a lógica da utilidade e desenvolvem investigações na prescrição de medidas de política criminal em prol das próprias instâncias formais de controle que sejam mais eficazes e menos onerosas na luta contra a criminalidade. Essa vertente criminológica não está preocupada em explicar a causa do crime porque entende que isso não é frutífero e dá ênfase ao retorno da vigilância, da atividade policial e ao controle social do crime. Entende que o delito é oportunista, fruto de uma conjugação circunstancial de fatores e abarca em seus estudos criminológicos os conceitos, tal como aconteceu na corrente criminológica denominada realismo de esquerda, de prevenção situacional do crime e da teoria da escolha racional[17].
A nova criminologia administrativa caracteriza-se, portanto: a) pela falta de interesse na etiologia, abandonando, de certo modo, as investigações sobre as causas e possibilidades de reabilitação do delinquente; b) por perceber o crime como sendo influenciado por variáveis situacionais; c) pela crença na eleição humana durante o ato delitivo (racionalidade limitada)[18]; e d) também por ser partidária de medidas de prevenção[19].
3 TEORIAS INCORPORADAS
3.1 Teoria da Atividade de Rotina
A teoria da atividade de rotina foi inicialmente desenvolvida pelos pesquisadores norte-americanos Lawrence Cohen e Marcus Felson, a partir de estudos a respeito do aumento da criminalidade nos Estados Unidos, sobretudo nas décadas de sessenta e setenta do século passado, que contrastou com a prosperidade econômica e o bem-estar experimentados pela população naquele período. Ora, se ocorreu a queda dos níveis de desemprego e pobreza, qual seria a explicação para o aumento da criminalidade?
Cohen e Felson perceberam que a resposta não estava vinculada ao aumento do número de delinquentes ou ao maior rigor exercido pelas instâncias formais de controle, mas na mudança de hábitos da população norte-americana, verificada após a segunda guerra mundial, que criou mais oportunidades para o cometimento de crimes. As novas rotinas da vida moderna, advindas de alterações nas estruturas familiares, o surgimento de moradias unipessoais, a entrada da mulher no mercado de trabalho, os afastamentos mais duradouros e constantes das pessoas de seus lares, o maior contato com terceiros em áreas públicas e o desenvolvimento de bens de consumo portáteis, tornaram as pessoas e seu patrimônio mais vulneráveis, influenciando o aumento da criminalidade. Além disso, com a maior vigilância empregada nos estabelecimentos comerciais, houve um considerável aumento nos furtos em residências.
Desse modo, as razões para o aumento da criminalidade não teriam raízes em questões demográficas ou nas taxas de pobreza e desemprego, como defendia parte da sociologia criminal, mas no aumento das oportunidades criadas com a mudança na rotina das pessoas[20].
Ao formularem os postulados da teoria da atividade de rotina, Cohen e Felson sustentaram que o crime não é um comportamento aberrante ou extraordinário, mas um evento normal, que pode e deve ser esperado dentro de oportunidades e condições apropriadas. Para eles, “o crime é uma opção reflexiva, calculada, oportunista, que pondera os custos, riscos e benefícios em função sempre de uma oportunidade ou situação concreta”[21]. Quando o delinquente identifica em uma situação indícios de uma boa oportunidade para a prática de um delito é quando se dá a condição para que ele decida cometê-lo[22].
Em outras palavras, na visão desses autores, o fator determinante para a ocorrência do crime não é a presença de um criminoso motivado, mas se há uma oportunidade adequada para tanto. Com isso, a vítima também passa a ser responsável pela prevenção do crime[23].
Como leciona Molina, as estratégias convencionais de prevenção devem ser complementadas com outras, rotineiras, quase domésticas, associadas aos estilos de vida, hábitos, costumes e atividades rotineiras do indivíduo e das organizações. Sendo o risco de vitimização um risco diferencial, seletivo, não resta dúvida que uma elementar atitude de cuidado e vigilância, de responsabilidade e cautela, por parte da vítima potencial em determinadas situações mitigará sensivelmente aquele com êxitos preventivos muito relevantes[24].
O principal objeto de estudo da teoria da atividade de rotina são os crimes que ofendem o patrimônio das vítimas, classificados como “violações predatórias de contato direto”. Para Cohen e Felson, tais crimes estariam associados à presença concorrente, no tempo e no espaço, de um potencial agressor (motivado ou predisposto a cometer um crime), um alvo apropriado e disponível para ser atacado e a ausência de um guardião capaz de prevenir ou impedir violações[25].
Na visão desses autores, deve-se presumir que sempre haverá indivíduos na sociedade com diferentes graus de motivação e aptos a cometerem crimes, a depender das oportunidades e de uma avaliação racional dos riscos e recompensas[26]. Portanto, a teoria da atividade de rotina não confere grande atenção para o indivíduo ofensor, mas para a situação que cria a oportunidade para o crime, com foco na vitimização.
Os alvos são as pessoas ou objetos que podem ser expostos à prática de um crime, com maior ou menor risco, a depender da influência de quatro elementos
Já a figura do guardião é representada por alguém, cuja presença ou proximidade pode desestimular a prática de um crime, não se tratando, necessariamente, de elementos de segurança pública. Na verdade, para a teoria da atividade de rotina, o controle social informal tem grande influência nas taxas de criminalidade, na medida em que as pessoas mais aptas para a prevenção de crimes não são os policiais, mas os vizinhos, amigos, parentes, transeuntes ou o proprietário do objeto visado. Um alvo com um guardião eficaz é menos provável de ser atacado por um agressor potencial. Se o guardião está ausente, é fraco ou corrupto, pouca proteção fornecerá para o alvo.
Num segundo momento do desenvolvimento da teoria, outros elementos relacionados ao crime também passaram a ser considerados na elaboração de métodos de prevenção. Nesse sentido, no que toca ao potencial agressor, surge a figura do “manipulador”, que pode recair sobre os pais, parceiros íntimos, irmãos, parentes, amigos próximos, professores, treinadores ou outras pessoas em posição semelhante, capazes de controlar as ações daquele, seja pela proximidade física ou pela influência psicológica. Nesse contexto, os crimes terão lugar onde os manipuladores também estão ausentes, são fracos ou corruptos.
Por sua vez, aos proprietários e seus eventuais funcionários passa a ser delegada a tarefa de cuidar do local e das pessoas que o utilizam. No papel de “gerentes”, devem controlar o comportamento dos infratores e vítimas potenciais. À semelhança do que ocorre com os guardiães e manipuladores, na presença de um gerente eficaz, o crime é menos provável de ser cometido do que quando o gerente está ausente, é fraco ou corrupto.
Outro fator que pode influenciar na oportunidade para o crime é a utilização de ferramentas, tanto por parte dos delinquentes, como latas de tinta spray, armas e carros, quanto por parte das vítimas, guardiães e gerentes, a exemplo da iluminação, portões, cercas e sinais de propriedade. Delinquentes sem acesso a ferramentas têm menor capacidade de entrar em lugares não autorizados, superar a resistência de vítimas, guardiães e gerentes e empreender uma fuga eficaz, ao passo que as mesmas também podem ser utilizadas para fins de reduzir as chances de vitimização.
Essa interação entre os elementos desenvolvidos pela teoria da atividade de rotina é representada no triângulo de análise de problema[27], por vezes referido como triângulo do crime. Por meio dessa figura, percebe-se que o potencial agressor encontra maior oportunidade para cometer o crime quando se encontra no mesmo local que o alvo, na ausência de qualquer controlador capaz. Se um guardião, gerente ou manipulador está presente, as oportunidades do crime passam a ser reduzidas. A eficácia na atuação dos atores envolvidos dependerá, também, em parte, das ferramentas disponíveis. Adicionando ou subtraindo os elementos demonstrados no triângulo, altera-se as chances de ocorrência do crime.
Contudo, a presença concorrente de potenciais delinquentes, alvos atraentes e de controladores fracos, ou mesmo ausentes, não ocorre de forma aleatória. Sabe-se que infratores não vagam sem rumo. Como qualquer pessoa, têm comportamentos de rotina que os levam para longe de manipuladores e em busca de descobrir locais com alvos atraentes. As vítimas também seguem rotinas que as separam de guardiões eficazes e as fazem frequentar locais com fraca gestão.
Assim, medidas de prevenção eficazes requerem a compreensão de como criminosos e seus alvos se encontram em determinados lugares, e como esses elementos podem ser controlados. Segundo a teoria da atividade de rotina, identificar os pontos fracos do triângulo de análise em um determinado contexto particular permitirá apontar intervenções voltadas a eliminar ou reduzir as oportunidades para o crime.
3.2 TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL
A teoria da escola racional, que tem decisivo peso na criminologia administrativa, pode ser entendida como uma ferramenta que explica a ação daquele indivíduo que relaciona os meios e os fins.
Ela está inserida justamente neste contexto de abandono da etiologia criminal, na medida em que trata todas as pessoas como sujeitos racionais que cometem crime em razão de uma análise de custo versus benefício para se atingir determinados resultados. Sob essa perspectiva, o crime é apenas uma ação racional realizada por pessoas comuns como resposta a determinadas circunstâncias, oportunidades e indutores situacionais.
A emergência da teoria da escolha racional, no curso dos anos 1980, representa a invasão do homem econômico nas ciências do comportamento. Nesse período, “grande parte dos desenvolvimentos da ciência econômica orbitam em torno de questões relacionadas ao processo de escolha dos indivíduos. Quase todas as decisões implicam a escolha entre alternativas e, de um modo geral, as pessoas dão preferência ao que lhes traz maior retorno de natureza emocional ou de natureza monetária”[28].
Entretanto, essa não se trata de uma ideia propriamente nova. Já no século XVIII a filosofia utilitarista, com autores como Jeremy Bentham e Stuart Mill, trazia a crença de que a natureza humana se baseava na busca pelo prazer e evitação da dor e que, desta forma, o homem se organizava de maneira a calcular estratégias para alcançar a maximização da utilidade. O homem é movido por essa ambivalência de dor e prazer e, portanto, manipulando-se a “dor” pela punição, as pessoas se sentem dissuadidas de obter o prazer pelo crime caracterizando, assim, a pena pelo seu caráter preventivo, e não meramente retributivo, permitindo a felicidade para o maior número de pessoas possível, respeitando-se o princípio máximo do utilitarismo.
Enquanto os utilitaristas acreditavam ser possível acabar com a criminalidade com este modelo, os teóricos da escolha racional acreditam ser impossível tal intento, limitando-se a tão somente diminuí-la, de maneira que as novas ideias de racionalidade procuram atualizar o clássico modelo utilitarista, considerando os novos estudos teóricos de racionalidade no âmbito da economia, psicologia e neurologia.
Esse novo modelo de pensamento, inspirado na teoria econômica do delito, ignora as considerações de caráter biológico, psicológico ou sociológico com as quais a criminologia até o século XX idealizou a figura do delinquente, repensando as dinâmicas do crime e do castigo a partir de termos pseudoeconômicos, à semelhança do setor privado. Esse reducionismo economicista procura diminuir ou deslocar os custos do crime na direção da prevenção, antes que na do castigo, e a minimizar o risco, antes que garantir a justiça[29].
O precursor dessa aplicação econômica no delito foi o economista Gary Becker, com sua obra Crime and punishment: An Economic Approach. Essa ideia surgiu para Becker em um dia que ele estava atrasado para seu trabalho e se deparou com a necessidade de avaliar os custos e benefícios entre pagar para estacionar seu veículo em um estacionamento mais afastado ou parar seu carro numa rua próxima, porém, em local proibido.
Após calcular a probabilidade de ser pego e o valor da multa com a distância e os custos do estacionamento, Becker optou pela vaga proibida e então pensou que outras situações ilícitas também estariam sujeitas a essa análise de custo e benefício, lançando seu trabalho baseado na ideia de um homem econômico (homo economicus)[30].
Assim, segundo a teoria desenvolvida por Becker, o indivíduo, em determinadas situações ou diante de certos incentivos, faz uma análise racional entre o que ele espera ganhar com a conduta – o benefício – que pode ser dinheiro, poder, entre outros, e o custo a ser por ele suportado, como a probabilidade de ser pego e a possível punição. As pessoas agem buscando a maximização da utilidade esperada, e essa utilidade é uma função positiva de ganhos. Neste modelo, portanto, o ato criminoso é preferido e escolhido se o retorno total, incluindo os custos esperados, é maior do que as alternativas legais[31].
Essa teoria de Becker, como dito, parte da ideia de um homo economicus, que é um tomador de decisões racionais, com capacidade ilimitada de processar informações. Ou seja, está baseada em uma teoria econômica clássica.
Os autores Clarke e Cornish, mais afetos às ideias da nova criminologia administrativa, desenvolvem a teoria da escolha racional apontando, ao contrário da ideia clássica de Becker, que os sujeitos agem em uma racionalidade limitada pela influência de diversos fatores, como a falta de conhecimento completo acerca dos riscos, esforços e recompensas do crime, limitações de tempo e inexistência de um planejamento prévio e detalhado. Normalmente, os delinquentes traçam planos gerais, improvisam diante do imprevisto e, uma vez iniciada a execução do crime, o foco passa a ser mais as recompensas que os riscos[32].
Importante registrar que, na teoria da escolha racional, o conceito de informação incompleta ou imperfeita é obtido por meio da distinção entre risco e incerteza, e a consequente previsão de probabilidades de resultados. Isso porque, diante de uma situação de risco, as pessoas ainda são capazes de visualizar as probabilidades de vários resultados, ao passo que, confrontadas com uma situação de incerteza, são incapazes de fazê-lo.
Cornish e Clarke afirmam, no entanto, que não há de falar-se em uma única escolha, mas em uma sequência de decisões influenciadas por fatores sociais e psicológicos. Haveria, então, duas espécies de decisões, que eles nominam de decisões de envolvimento e as decisões do evento. As primeiras consistem naquelas em que o indivíduo resolve se envolver em um delito ou permanecer numa carreira criminosa. As segundas, por outro lado, são aquelas em que o indivíduo pratica o evento criminoso.
As decisões de envolvimento podem referir-se a três fases: a iniciação, em que o agente resolve praticar o crime pela primeira vez, e aqui estão em voga fatores psicológicos, sociológicos, econômicos, demográficos, etc.; a habituação, que é a decisão de reiterar na prática delitiva, com a consequente mudança de estilo de vida, pois o criminoso passa a ter relação com outros delinquentes e aprende novas técnicas, enfim, incrementa a sua nova “profissão”; e, por último, a desistência, em que o indivíduo resolve deixar a vida do crime.
Já as decisões de evento referem-se ao conjunto de escolhas que levam o agente a concretizar o crime, abarcando os atos preparatórios e executórios, bem como a fuga. Aqui é que se deve considerar os dados situacionais do delito, tais como os obstáculos à ação criminosa (existência de alarme antifurto, guardas e câmeras de segurança), bem como a existência de rotas para a fuga[33].
Com o desenvolvimento da teoria econômica do crime, também passou a ser considerada a influência de fatores econômicos, como renda, emprego e educação, de fatores antecedentes do indivíduo, como socialização e aspectos sociodemográficos, e, ainda, suas interações na comunidade, ampliando a comprovação empírica da teoria para além da perspectiva do risco de punição. A diferença, contudo, é que esses fatores não são vistos em uma relação de causaefeito, como em outras teorias criminológicas. Tais fatores estarão em perspectiva com as próprias oportunidades, percepções, cálculos e escolhas do indivíduo em praticar ou não o crime.
Com a adesão da ideia de um homem racional, a nova criminologia administrativa passa a atuar justamente nas circunstâncias que, de um modo geral, podem ser consideradas como custos e benefícios, desenvolvendo medidas para aumentar os custos para o agente cometer uma atividade ilícita e/ou diminuir os eventuais benefícios por ele angariados.
3.3 PREVENÇÃO SITUACIONAL
A prevenção situacional é uma vertente criminológica que se detém na análise das circunstâncias e procedimentos inerentes à prática de determinados crimes, com o objetivo de preveni-los ou dificultá-los com maior eficácia.
Se no passado a mira da criminologia permeou o delinquente, a sociedade e a interação desta com o indivíduo, bem como, mais à frente, as instâncias formais de controle sob uma perspectiva crítica, agora os holofotes estão mais virados para a situação do crime e para o aperfeiçoamento das medidas preventivas de cunho situacional, de modo a reduzir, o quanto possível, as oportunidades para a realização de um delito, inscrevendo-se na lógica do ato e da escolha racional. Para Cusson, “a noção de prevenção situacional serve para designar as medidas não-penais que têm por objetivo impedir a passagem ao acto através da alteração das circunstâncias particulares em que delitos da mesma natureza são cometidos ou poderiam sê-lo”[34].
A prevenção situacional surgiu na década de setenta, em um departamento de investigação da Inglaterra, dirigido por Ronald V. Clarke. Em estudo sobre casos de suicídio, descobriu-se que a mudança de gás com teor de monóxido de carbono altamente tóxico para gás natural para uso doméstico naquele país teve significativa importância na diminuição dos índices de suicídio, dando azo, então, a uma abordagem voltada para objetivos práticos acerca da prevenção da criminalidade. No mesmo período, nos E.U.A., Ray Jeffery desenvolveu estudos sobre a prevenção criminal através da modificação do ambiente físico[35]. A conclusão dos trabalhos de ambos resultou em uma teoria da prevenção situacional do delito.
Ora, se o ato criminoso é visto como uma oportunidade para um agente que, ao fazer sua escolha, pauta-se pela ideia de custo e benefício, nada mais natural que se desenvolva mecanismos preventivos para tornar demasiadamente difícil, arriscada ou insuficientemente benéfica a prática da infração aos olhos do agente. Nessa ótica, a teoria da prevenção situacional, ancorada nas teorias das atividades rotineiras e da escolha racional, passa a explorar, de forma sistemática, os dados sobre a racionalidade do delinquente e as situações propiciadoras do crime.
O objeto da criminologia, então, passa a ser os dados imediatos das situações que determinam as escolhas do agente no momento da ação. Nesse contexto, a análise da situação pré-criminal é bastante útil, pois tal dado estrutura a escolha do delinquente, incitando-o ou dissuadindo-o da prática delitiva.
E para se evitar o crime, através da prevenção situacional, é necessário que se rompa a cadeia que permite ao delinquente motivado encontrar uma vítima interessante e sem qualquer vigilância. Para tanto, Torrente afirma que se deve seguir os seguintes vetores: 1 – incrementar o esforço necessário para o cometimento do delito; 2 – minimizar as recompensas do delito; e 3 – aumentar as probabilidades de ser detectado[36].
A prevenção situacional compreende medidas de redução da oportunidade criminosa que não abrange toda a gama de delitos possíveis[37], envolvem a gestão, design e manipulação do ambiente imediato, em uma forma sistemática e permanente, e que tem por objetivo tornar a prática de crimes mais difícil e arriscada, removendo-se as vantagens idealizadas pelo agente. Para tanto, há um extenso número de meios, como a vigilância, os obstáculos físicos, os controles de acesso, desviar o delinquente do alvo, eliminar ou reduzir o benefício potencial de um delito e controlar outros instrumentos que sirvam para cometer delitos[38].
A vigilância poderá se dar em locais propensos à criminalidade, mediante o trabalho de vigilantes, porteiros, policiais, guardas municipais, seguranças particulares, bem como através de câmeras de segurança existentes na parte interior e exterior dos estabelecimentos comerciais (lojas, supermercados, instituições bancárias, etc.), televisão em circuito fechado, sistemas de alarmes, etc.
Como exemplos de prevenção mediante obstáculos físicos podemos citar as portas e carros blindados, os cofres-fortes, os alarmes existentes em carros e as antecâmaras à entrada dos bancos.
Os controles de acesso consistem em postos de guarda, a entrada em locais mediante código ou cartão magnético, medidas que tem por finalidade impedir a invasão, identificar e filtrar a circulação de pessoas em determinado espaço.
Desviar o delinquente do alvo significa impedi-lo de cruzar com alvos interessantes ou vítimas potenciais, mediante a alteração do meio físico, dos horários ou dos hábitos de vida. É comum que em certos estádios de futebol aconteça a separação das torcidas de clubes de futebol, inclusive em relação aos percursos feitos por cada torcida nas imediações do estádio, que geralmente são predeterminados em reuniões feitas com o Ministério Público, a polícia e integrantes das chamadas torcidas organizadas, como forma de evitar o contato de torcedores rivais.
Pode-se eliminar ou reduzir o benefício potencial de um delito, guardando o mínimo possível de dinheiro em caixas registradoras, evitando que condutores de ônibus vendam bilhetes e que peças de veículos tenham marcação (número de chassi nos vidros, por exemplo), de modo a dificultar a sua revenda.
O controle de armas e outros instrumentos eficazes para o cometimento de delitos também contribuem para a prevenção, através, por exemplo, de detectores de metais.
Neste ponto, importante mencionar, dentre os apontamentos feitos por Medina Ariza para a diminuição ou impedimento da delinquência, a técnica de “incrementar os sentimentos de vergonha” e de “fortalecimento de condenação moral ou estimulação da consciência”, que podem ocorrer através de campanhas institucionais alertando acerca das proibições de certas condutas, tais como o tráfico de animais silvestres, a pedofilia e a pirataria, bem como a utilização de “controles inibidores” mediante, por exemplo, a elevação da idade para a utilização de bebidas alcoólicas.
A prevenção situacional também vai se inspirar e desenvolver-se através do conhecimento da vitimologia, mais detidamente sobre os riscos de vitimação. Qual é o contributo do ofendido para a gênese do crime? Tal questionamento é bastante pertinente na medida em que uma grande parcela dos crimes pauta-se pela relação entre um delinquente e uma vítima, notadamente nos crimes cometidos contra a pessoa e o patrimônio. Há muitos delitos, aliás, que nascem de uma relação íntima entre o agressor e o agredido, como acontece, por exemplo, nos delitos de violência doméstica. O delinquente, evidentemente, ao idealizar um crime de furto ou roubo, leva em consideração os bens portados pelo ofendido, bem como as circunstâncias em que se dá esse porte. Um indivíduo com um carro novo, com elevado valor de mercado, evidentemente, irá incutir fascínio sobre o agente criminoso.
É crível imaginar-se que, pelo menos em uma pequena parcela dos delitos, a vítima pode contribuir para a ocorrência do crime, ou porque provoca o agressor ou porque se expôs demais à experiência da vitimação[39]. O estilo de vida do ofendido também pode servir como algo que potencializa a ocorrência de delitos, aumentando o seu grau de vulnerabilidade à criminalidade[40].
Um cidadão desatento é um alvo propício para a ocorrência de crime, até porque, muitas das vezes, a probabilidade de um delito varia em função do encontro de um agente motivado (delinquente potencial) e um alvo que lhe possa interessá-lo. E este será mais interessante na medida em que estiver mais vulnerável, de modo que o ofendido passa a ser visto como alguém que pode contribuir para a prevenção da criminalidade, notadamente aquela de natureza patrimonial. Aliás, não se deve esquecer que o proprietário é o guardião natural de seus bens.[41] Passa-se, então, a cultivar a ideia do “homem prudente”, do indivíduo vigilante, ativo e protegido, de modo a diminuir o seu grau de vulnerabilidade à ocorrência de crimes. E isso se dará mediante a autoproteção, que pode ser entendida como tudo que engloba as medidas adotadas pelo cidadão para se precaver do crime.
As medidas individuais de autoproteção podem consistir em atos de vigilância e verificações (iluminação interior e exterior da habitação, obtenção de um cão de guarda, instalação de um sistema de alarme, manter-se em constante atenção); obstáculos físicos (instalação de fechaduras de qualidade e de grades, aquisição de um cofre-forte); medidas de limitação dos danos (depósito de dinheiro em instituição financeira, substituição de dinheiro por cartão de crédito, andar com poucas quantias em dinheiro na mala ou no bolso); de solidariedade (manter contatos regulares com a família e amigos, manter bom relacionamento com a vizinhança, viver acompanhado); de distância (evitar locais perigosos, evitar sair no período noturno, mudar-se para um bairro seguro); e de dissimulação (evitar exibir dinheiro em público, guardar os carros em garagem, mudar o número de telefone).
Neste ponto, importante mencionar também os estudos criminológicos feitos sobre o fenômeno da revitimização, que ocorre quando um indivíduo ou um imóvel sofre mais de um delito em determinado espaço de tempo. Conforme constatado por diversos pesquisadores, uma pessoa ou residência que tenha sido alvo de um crime apresenta um risco normalmente elevado de voltar a sê-lo[42]. Há também dados para se afirmar que a segunda vitimação acontece pouco tempo depois da primeira[43]. Tais dados inspiraram intervenções positivas na prevenção de assaltos a edifícios e de violência conjugal, tomando como alvos prioritários as casas que tinham acabado de sofrer assalto ou as mulheres que haviam sofrido recentes agressões. Nesse sentido, o governo inglês implementou um programa de prevenção da violência, cedendo ao ofendido um alarme portátil ligado ao departamento policial.
A ideia central da prevenção situacional é evitar ou, ao menos, dificultar a ocorrência de delitos por meio de um conjunto de medidas que atinjam diretamente a situação pré-criminal, mediante o mapeamento dos delitos, medidas preventivas sistemáticas e permanentes, a realização de diagnósticos sobre como as oportunidades são percebidas pelos delinquentes, etc. Nesse contexto, as novas tecnologias são grandes auxiliares na prevenção situacional, tais como as câmeras de vídeo, recursos da informática, da telefonia e os alarmes.
Percebe-se, portanto, que a teoria da prevenção situacional, adotada pela criminologia administrativa, advoga a tese de que não se pode prevenir o crime apenas e tão-somente através da atuação policial e de órgãos da justiça criminal, mas sobretudo através da participação ativa da sociedade nesse tema, que se dará mediante a atuação de cidadãos de maneira prudente e ativa no combate à criminalidade. A responsabilidade pela prevenção e pelo controle do crime não recai apenas sobre o Estado, mas também sobre os moradores, os varejistas, industriários, agricultores, urbanistas, autoridades escolares, empresas de transportes, empregadores, a família, aos pais, e até na arquitetura de bairros.
Diante desse quadro, verifica-se que os pensadores da teoria da prevenção situacional do delito dão enorme importância às instâncias informais de controle, que vão desde sensíveis conselhos para eliminar determinados objetivos fáceis, até ambiciosos programas preventivos de amplo espectro[44].
Por outro lado, os postulados de uma teoria de prevenção situacional do delito também se direcionam às instâncias formais de controle, principalmente à autoridade policial, que deverá articular esforços junto à sociedade para controlar a incidência de crimes, mediante a alimentação de relações positivas com a comunidade, de modo a concretizar o necessário protagonismo da sociedade civil e dos agentes públicos nessa questão.
Nesse contexto, a atuação policial deverá sedimentar modelos de policiamento, do tradicional ao comunitário, em busca da satisfação, com eficácia, das necessidades específicas relacionadas com o controle e a regulação social, mediante estratégias e táticas policiais padronizadas.
O poder público também poderá criar programas de prevenção sobre determinadas áreas geográficas que tenham altos índices de criminalidade, com implementação de projetos ambientais para uma melhor arquitetura urbana, favorecendo a prevenção de delitos.
4 CRÍTICAS
Como visto, a criminologia administrativa centra-se nos alvos da ação criminosa e no seu controle. Nesse modelo, a prevenção também passa a ser responsabilidade do indivíduo e das organizações privadas, que devem internalizar culturas e práticas suscetíveis de reduzir a ocorrência de crimes. Essa nova realidade, inegavelmente, vai contra um dos pilares das sociedades modernas, qual seja, o dever do Estado de garantir a segurança e a ordem dentro de seu território.
Essa meta pode parecer louvável do ponto de vista do governo, porém, the research agenda was never intended to encompass crucial disciplinary question about the definition o crime, nor about is politics, social causes or ideological effects. The kind of criminology the Home Office wanted was intended to help the criminal justice system to administer crime more efficiently and effectively – hence the label
“administrative criminology” (coined, incidentally, by Jock Young, 1986)[45].
Acontece que nessa concepção teórica a criminologia é levada progressivamente para a margem de uma análise geral de política pública, numa condição essencialmente auxiliar, instrumental em relação ao direito penal e à política criminal[46].
Além disso, o aumento constante do financiamento do governo para o controle do crime resultou em um número crescente de agências e departamentos que se dedicam a diferentes formas de investigação criminológica, bem como de pesquisadores acadêmicos e organizações que dependem de fontes oficiais de financiamento para a sua existência. Outro problema que surge com esta abordagem é que os dados recolhidos são seletivos e há uma tendência para se concentrar no que é facilmente mensurável e politicamente conveniente.
Ademais, esse estilo de gerencialismo levou à crescente mercantilização do conhecimento, ao passo que a erudição crítica foi marginalizada. Em relação à criminologia na era neoliberal, houve uma perda de independência dos pesquisadores acadêmicos e uma indefinição da distinção entre criminologistas acadêmicos e administrativistas. A criação da Sociedade Europeia de Criminologia, no ano de 2000, envolvendo uma colaboração mais estreita entre os departamentos governamentais de toda a Europa e criminologistas acadêmicos, sinalizou a crescente ascendência e aceitabilidade da criminologia administrativa na academia.
Daí porque a crítica lançada sobre a criminologia administrativa, pois, nesse contexto, official bodies have acquired the ability to direct the focus of research, influence the methodologies used and shape outcomes. Researchers who are critical of the selection of issues of the choice of research instruments are likely to fall quickly into disfavour. On the other hand, those who do receive funding are likely to be micromanaged, and the capacity for independent or critical investigation is often severely limited [47].
Uma indicação da fraqueza conceitual da criminologia administrativa decorre justamente do fato de que ela não se debruça sobre as causas do crime, mas, especialmente, sobre vitimização, dedicando atenção para os crimes de rua, que mais geram medo na população, deixando de lado os crimes praticados pelos ricos e poderosos, potencialmente mais prejudiciais à sociedade.
A assertiva de que o homem pondera racionalmente os custos e benefícios da futura conduta criminosa já foi criminologicamente refutada como fórmula geral, uma vez que tal atitude não se faz presente, por exemplo, nos crimes passionais e naqueles cometidos sob a influência de álcool ou drogas. Ademais, não existe o estado puro de racionalidade prescrito pela teoria da escolha racional, mas forças paralelas constituídas pela racionalidade, normas sociais, emoções e irracionalidade que podem afetar simultaneamente as motivações individuais. Assim, em que pese a conduta humana estar sempre sujeita a alguma forma de condicionamento, a ideia de uma vontade ou uma racionalidade imperturbada, imperturbável e inalterável – a reger com exclusividade os destinos do criminoso – não passaria de uma ilusão.
Por outro lado, as novas tendências na prevenção do crime, especialmente no âmbito da nova criminologia administrativa, ignoram os resultados positivos do investimento em políticas sociais, econômicas e educacionais, que configuram elemento essencial em qualquer programa estatal de prevenção do crime, e ainda não possuem o corpo de investigação científica necessário para a sua consolidação, demando novos estudos para comprovar ou refutar suas propostas.
Também é certo que o compartilhamento da responsabilidade e o funcionamento rotineiro da prevenção do crime provocam disparidades no financiamento social e na rede de segurança. Isso porque, a nova criminologia administrativa não especifica o papel que deve ser desempenhado pela segurança pública, privada e comunitária, criando um modelo desordenado. Por outro lado, o direito à segurança deixa de ser garantido a todos como um dever do Estado para se converter num produto, cuja distribuição está subordinada às forças do mercado e não em função das necessidades.
Nesse contexto, os grupos que mais sofrem a criminalidade tendem a ser os membros mais pobres e menos poderosos da sociedade, que são desprovidos quer de recursos para comprar segurança, quer de flexibilidade para adaptar suas vidas cotidianas e se organizar de forma eficaz contra o crime. Essa disparidade entre ricos e pobres — que coincide com a divisão entre as classes detentoras da propriedade e os grupos sociais que são considerados como uma ameaça para a propriedade — tende a nos arrastar para uma sociedade fortificada, caracterizada pela segregação e o abandono de todo ideal cívico[48].
Vale destacar que as estratégias de controle situacional do delito criam diversos mecanismos de vigilância, que podem resultar numa queda geral da qualidade de vida em nome de uma suposta segurança. A aplicação dessas ideias gerou uma verdadeira cultura do controle, em que há vigilância por todos os lados, onde quer que se vá, invadindo a privacidade e a intimidade das pessoas, inclusive daquelas que não delinquem.
Além disso, as medidas de prevenção situacional do crime tem alcance limitado, produzindo melhores resultados em relação aos chamados crimes de rua (v.g., furtos, roubos, arrombamentos, tráfico de drogas etc.), do que sobre a criminalidade frustration-instigated, impregnada de impulsividade, a exemplo do crime de homicídio, crimes sexuais, crimes praticados por multidão ou por sentimento de injustiça.
Não bastasse, essas medidas podem gerar o fenômeno da deslocação do crime[49], passível de ocorrer quanto ao tempo, local ou natureza da prática criminosa, já que o delinquente tende a contornar as medidas preventivas específicas.
As teorias voltadas à prevenção situacional do crime também foram alvo de críticas por ignorarem fatores sociais, econômicos e culturais, bem como por não estudarem detidamente uma das variáveis do crime, justamente o infrator e as suas motivações. Ademais, o espaço físico não teria capacidade, por si só, de criar ou gerar delitos (causa), mas tão somente poderia atraí-los ou favorecer sua prática (sintoma).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo os estudos já realizados, as teorias voltadas à prevenção situacional do crime demonstraram a sua utilidade em cinco técnicas de redução das oportunidades: a) aumento das dificuldades no alcance dos objetivos criminosos; b) remoção dos alvos; c) vigilância natural; d) vigilância formal; e e) vigilância por parte de empregados. Além disso, por vezes, foi capaz de produzir a diminuição de outros crimes, além daqueles para os quais as medidas preventivas estavam diretamente dirigidas, promovendo uma difusão de benefícios[50].
Além disso, conforme registra Cláudia Santos, mais recentemente, a concepção do crime como fenômeno oportunista, que aproveita uma série de factores situacionais para se manifestar, preconizada pela nova criminologia administrativa, têm influenciado ações de prevenção dos crimes de colarinho branco, como a adoção de mecanismos de controle específicos, buscando evitar que os detentores de cargos de confiança abusem da posição que ocupam. Por outro lado, busca-se também entender o processo de escolha tendencialmente racional que leva alguns empresários, políticos ou profissionais liberais a respeitarem a lei, enquanto outros decidem violá-la[51].
Dessa forma, inegável que a criminologia administrativa tem o mérito de desenvolver estudos e técnicas voltadas à prevenção do crime, contribuindo, ao seu modo, para redução das taxas de criminalidade. Porém, dadas as suas limitações, não pode ser adotada isoladamente como política de segurança pública, devendo ser conjugada com investimentos em políticas sociais, econômicas e educacionais, que configuram elemento essencial em qualquer programa estatal de prevenção do crime, conforme restou demonstrado ao longo de décadas de estudos no âmbito da tradicional criminologia.
Não há de se falar em utilizar um método em detrimento de outro. Tampouco de se abandonar o que foi construído, aprendido e apreendido acerca da criminalidade até então. O que se espera da criminologia hoje pela sociedade, sob um ponto de vista teleológico e pragmático, é que se possa adotar todo o conhecimento acumulado pelas diversas vertentes de estudo, para se tomar medidas, mediatas e imediatas, que sejam efetivas e eficazes para a redução da criminalidade.
REFERÊNCIAS
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________________________
[1] ROTMAN, Edgardo. O conceito de prevenção do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Ano 8, Fasc. 3. Jul – Set 1998. p. 322-323.
[2] MARTINHO, Rita; FERREIRA, Fernando; SOUSA, Pedro. Análise de custo-benefício e a sua aplicação aos programas de prevenção do crime. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Ano 2013, pág. 322/323.
[3] GARLAND, David. As contradições da sociedade punitiva: o caso britânico. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, N.13. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n13/a06n13.pdf >. Acesso em: 19 nov 2015. p. 59-80.
[4] BECKER, Gary S. Nobel Lecture: The Economic Way of Looking at Behavior. The Journal of Political Economy, V. 101, N.° 3. Jun/1993), p. 385-409. Disponível em: http://www.ssc.wisc.edu/~walker/wp/wpcontent/uploads/2012/09/Becker1993.pdf. Acesso em 14 dez 2015.
[5] TORRENTE, Diego. Políticas de seguridad ciudadana. Condicionantes y modelos recientes. In: ÁLVARO, Fernando Perez (Ed.). SERTA, in memoriam Alexandri Baratta. Ediciones Universidad de Salamanca y los autores, 2004. p. 1505.
[6] Entretanto, mesmo antes da chamada Escola Clássica, como bem observam Figueiredo Dias e Costa Andrade, há autores que merecem referência pelos estudos de aspecto criminológico, tais como Platão, que enxergou na prática do delito um sintoma de uma doença que teria como causas as paixões (inveja, ciúme, ambição, cólera), a procura do prazer e a ignorância. Mencionam também Aristóteles, que via no criminoso um inimigo da sociedade e a miséria como causa do delito e da revolta. De se anotar também, agora já no período medieval, a doutrina de Santo Agostinho, que enxergava no delinquente a prática de um pecado, e que a punição deveria levá-lo ao arrependimento antes do Juízo Final. Já São Tomás de Aquino viu na pena o caminho para uma justa retribuição, segundo o exemplo divino, para a promoção do fim moral. Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo de, e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia – o homem delinquente e a sociedade criminógena, 2013, p. 7. Santo Agostinho, A Cidade de Deus contra os Pagãos, p. 426, in MARQUES, Oswaldo Henrique Duek, Estudos em homenagem ao Prof. João Marcollo de Araújo Júnior, 2001, p. 429.
[7] Cabe afirmar, entretanto, que Massimo Pavarini alerta que a interpretação de que a escola clássica iluminista surgiu como afirmação de liberdade civil deve ser evitada, pois privilegia apenas um lado da história da época, deixando-se de lado a reflexão sobre o controle social no contexto de uma nova ordem. Neste sentido, cf. PAVARINI, Massimo. Control y Dominación.Teorías Criminológicas Burguesas y Proyecto Hegemónico. Tradução de Ignacio Muñagorri. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2002.
[8] DIAS, Op. Cit., p. 10.
[9] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Buenos Aires: Ediar, 1987.
[10] Acerca de melhores detalhes sobre as diferenças doutrinárias desses criminólogos, conferir DIAS, Jorge de Figueiredo de e ANDRADE, Manuel da Costa, op. cit.
[11] O desvio é uma construção social, pela qual determinados indivíduos acabam sendo rotulados como marginais. A conduta desviante é variável de acordo com o indivíduo que a pratica, pela época e sociedade em que se insere. A desviação é uma reação às regras estabelecidas e tornar-se ou não transgressor depende das pessoas que analisam o ato e da pessoa analisada. DIAS, Op. Cit., p. 346.
[12] A associação diferencial se enquadra entre as teorias da aprendizagem social ou social learning, para as quais “[…] o comportamento delituoso se aprende do mesmo modo que o indivíduo aprende também outras condutas e atividades lícitas, em sua interação com pessoas e grupos e mediante um complexo processo de comunicação. O indivíduo aprende assim não só a conduta delitiva, senão também os próprios valores criminais, as técnicas comissivas e os mecanismos subjetivos de racionalização (justificação ou autojustificação) do comportamento desviado”. MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 1997, p. 278. Em suas investigações sobre a criminalidade do colarinho branco, SUTHERLAND concluiu que a conduta desviada não pode ser imputada a disfunções ou inadaptação dos indivíduos das classes menos favorecidas, senão à aprendizagem efetiva dos valores criminais, o que pode suceder em qualquer cultura.
[13] YOUNG, Jock. El fracaso de la criminologia: la necesidad de un realismo radical, en AAVV: Criminología critica y control social, Iuris, Rosario, 1993, p. 5-39.
[14] BURKE, Roger Hopkins. Introduction to Criminological Theory. 3 ed. Devon: William, 2009. p. 269.
[15] YOUNG, Op. Cit., p. 23-29.
[16] MARTINSON, Robert. What works? Questions and answers about prison reform. AA.VV., The Public Interest, n.º 35, New York, National Affairs Inc., 1974.
[17] Nesse sentido, conferir SANTOS, Cláudia Maria Cruz, O crime de colarinho branco Da origem do Conceito e sua Relevância Criminológica à Questão da Desigualdade na Administração da Justiça penal. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 196-200.
[18] Claudia Maria Cruz Santos, ao analisar a perspectiva da nova criminologia administrativa, afirma que,
“apesar de revelar alguma proximidade da criminologia administrativa clássica, distingue-se, todavia, do classicismo, por aceitar, apenas, uma racionalidade limitada. O abandono da crença no caráter pleno da razão que preside as escolhas comportamentais terá recebido algumas influências da teoria econômica, a qual salientou que as pessoas, por força das suas limitações, adoptam decisões standard que evitam o desgaste inerente ao reinício do processo decisório sempre que confrontadas com situações novas. Por outro lado, paralelamente aos factores racionais, podem atuar outros factores mais ou menos patológicos, o que resultará numa frequente amálgama de racionalidade e irracionalidade na atividade econômica”. Ob. cit., p. 199-200.
[19] Neste ponto, conferir também YOUNG, Jock, Criminologia Crítica y Control Social, 1. “El Poder Punitivo del Estado”, Editorial Juris, 2000, p. 14-15.
[20] NEWBURN, Tim. Criminology. Willan Publishing, Devon, 2007. p. 288, in Zimmermann, Egberto. O neoclassicismo criminológico. Disponível em: https://profeduardoviana.wordpress.com/. Acesso em 10 dez 2015.
[21] MOLINA; GOMES, Op. Cit., p. 416.
[22] MEDINA ARIZA, Juan José. El control social del delito a través de la prevención situacional. Revista de Derecho Penal y Criminología, N.º 2. 1998. p. 286.
[23] TORRES, Miguel Agustin. La prevención situacional del delito y las modalidades de segregación residencial. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/www.inverbis.com.br?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=450&revista_caderno=3>. Acesso em 28 nov 2015.
[24] MOLINA; GOMES, Op. Cit., p. 426.
[25] Nas palavras desses pesquisadores: “Each successfully completed violation minimally requires an offender with both criminal inclinations and the ability to carry out those inclinations, a person or object providing a suitable target for the offender, and absence of guardians capable of preventing violations”. NEWBURN, Tim., Criminology, Willan Publishing, Devon, 2007, p. 287, in Zimmermann, Egberto. O neoclassicismo criminológico. Disponível em: <https://profeduardoviana.wordpress.com/>. Acesso em 10 dez 2015.
[26] TIERNEY, John. Key Perspectives In Criminology. Open University Press. Berkshire, 2009. p. 14.
[27] Extraído em 15/12/2015 de http://www.popcenter.org/learning/pam/help/theory.cfm.
[28] MARTINHO; FERREIRA; SOUSA, Op. Cit., p. 316.
[29] GARLAND, Op. Cit., p. 65.
[30] BECKER, Op. Cit., p. 389.
[31] EIDE, Erling; RUBIN, Paul H.; SHEPHERD, Joanna. Economics of Crime. Foundations and Trends in Microeconomics, Vol. 2, No. 3, 2006; Emory Law and Economics Research Paper No. 11-114. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1912073. Acesso em: 10 out 2015.
[32] Cf. CORNISH, D. & CLARKE, R. 1986. Situational Prevention, Displacement of Crime and Rational Choice Theory. In: HEAL, K. & LAYCOCK, G. (eds.). Situational Crime Prevention from Theory to Practice. London: HMSO.
[33] Becker e Cohen também miram a perspectiva segundo a qual o ato delituoso se desenvolve ao longo de uma série de etapas sucessivas, que conduzem o ator a fazer uma escolha que não é inteiramente predeterminada (CUSSON, Maurice, Criminologia, ed. Casa das Letras – 2011, p. 103).
[34] CUSSON, Op. Cit., p. 204-205.
[35] MEDINA ARIZA, “El control del delito…”. In CARVALHO, Themis Maria Pacheco de Carvalho. La ocasión hace al ladrón. La prevención de la delicuencia por médio de la prevención situacional, p. 289290. Disponível em: <http://www.derechopenalonline.com/derecho.php?id=27,81,0,0,1,0>. Acesso em: 13 dez 2015.
[36] TORRENTE, Diego. Desviación y delito. Madri: Alianza Editorial, 2001, p. 225, in CARVALHO, Themis Maria Pacheco de Carvalho. La ocasión hace al ladrón. La prevención de la delicuencia por médio de la prevención situacional. Disponível em:
<http://www.derechopenalonline.com/derecho.php?id=27,81,0,0,1,0>. Acesso em: 13 dez 2015.
[37] A prevenção situacional inspira-se nos conhecimentos de tipos particulares de crimes, tais como o homicídio, lesão corporal, assaltos, furtos, pedofilia, vandalismos, embriaguez ao volante etc.
[38] CUSSON, Op. Cit., p. 206-207.
[39] Sobre a questão, pesquisas feitas no Canadá revelam que os indivíduos que deixam suas casas e rumam para bares e lugares públicos no período noturno têm uma probabilidade seis vezes maior de sofrerem crimes violentos do que aqueles que optam por ficar no lar (Sacco, Jhonson, 1990). No que se toca aos E.U.A., mais precisamente em Filadélfia, Wolfgang (1958) constatou que quase um terço dos homicídios conhecidos pela polícia ocorreram mediante a provocação ou desencadeamento pela própria vítima. O ofendido tinha sido o primeiro a agredir ou a ameaçar o futuro homicida com arma de fogo (CUSSON, Maurice. Op. cit. 164).
[40] Por exemplo, jovens ainda não casados têm maior risco de sofrerem crimes, pois frequentam lugares públicos durante a noite e pouco ficam com a família, tendo contato com outras pessoas muitas vezes bastante perigosas, em lugares e momentos de risco (CUSSON, Maurice. Op. cit., p. 168).
[41] Nas palavras de Clarke e Felson, “Realmente, as pessoas mais aptas para prevenir crimes não são os policiais (que raramente estão por perto para descobrir os crimes no ato), mas antes os vizinhos, os amigos, os parentes, os transeuntes ou o proprietário do objeto visado. Note que a ausência de um guardião adequado é crucial. Definir um elemento-chave como ausência antes do que presença é claramente um princípio fundamental na despersonalização e na despisicologização no estudo do crime. Certos tipos de pessoas são mais prováveis de estar ausentes do que outras, mas o fato de uma ausência ser enfatizada é mais que um lembrete de que o movimento das entidades físicas no tempo e no espaço é central para esta abordagem (Clarke e Felson, 1993, p. 3), in BEATO, Claudio, Crime, oportunidade e vitimização, Revista Brasileira de Ciências Sociais – vol. 19, n. 55, junho/2004, p. 75.
[42] Em 1978, Hindelang e colaboradores (1978, p. 132) constataram que a probabilidade de se ser vítima de nova agressão grave é sete vezes maior do que a probabilidade de sofrer uma primeira vitimação da mesma natureza. Nas cidades canadianas, o risco de alguém ser novamente vítima de furto qualificado é de 9%, face a uma taxa de vitimação de 1% na população em geral (Solliciteur Général du Canadá, 1988, 8). Em 1992, na Inglaterra, 20 % dos inquiridos que haviam sido vitimados pelo menos duas vezes num ano representavam 81% do total de infrações registradas pelo British Crime Survey (Farrell, 1995, 490). Os inquiridos que tinha sofrido três ou mais assaltos a residência, e que representavam 1% da amostra, correspondiam a 17% do total de assaltos registrados. Esta concentração também é muito marcada nos delitos contra as pessoas. Os 17% de vítimas que tinham sofrido três ou mais crimes violentos correspondiam a 45% de todos os crimes violentos registrados (Mayhew, et. al., 1993, 49, 86) …” CUSSON, Maurice. Op. cit. 186-187.
[43] Farrell aponta que metade das segundas vitimações por assalto à residência em Inglaterra acontece nos sete dias subsequentes à primeira vitimação. No campo da violência doméstica, 35% das segundas vitimações acontecem menos de 5 semanas depois do primeiro episódio. (CUSSON, Maurice. Op. cit., p. 187).
[44] GARRIDO, STANGELAN e REDONDO. Princípios de Criminología, p. 72, in CARVALHO, Themis Maria Pacheco de Carvalho. La ocasión hace al ladrón. La prevención de la delicuencia por médio de la prevención situacional. Disponível em:
<http://www.derechopenalonline.com/derecho.php?id=27,81,0,0,1,0>. Acesso em: 13 dez 2015.
[45] O’BRIEN, Martin. YAR, Majid. Criminology: The Key Concepts, 2008. p. 4.
[46] SANTOS, Ob. cit., p. 183.
[47] MATTHEWS, Roger. Realist Criminology. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2014. p. 14.
[48] GARLAND, David. Op. cit., p. 76.
[49] ROTMAN, Edgardo. O conceito de prevenção do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Ano 8, Fasc. 3 (Jul.-Set. 1998), p. 368.
[50] Ibid., p. 368-370.
[51] SANTOS, 1999, p. 186.