30 out Evasão de divisas?
Ricardo Pieri Nunes
Advogado no Rio de Janeiro
SUMÁRIO: 1. Proposta de crítica – 2. Braço armado de uma política econômica – 3. Nova realidade cambial – 4. Direito Europeu: 4.1 Portugal; 4.2 Espanha – 5. Evasão de divisas? – 6. A questão da autorização – 7.
Conclusões – 8. Bibliografia.
Resumo: Afigura-se ilegítima e ofensiva ao caráter fragmentário do direito penal a eleição da política governamental de proteção às reservas de câmbio do país como objetividade jurídica no campo da ultima ratio; o âmago da evasão de divisas repousa na transferência da titularidade de posição em moeda de um residente para um não residente no país, de molde que as transações cambiais clandestinas entre residentes no Brasil, com vistas a disponibilizar recursos no exterior, malgrado ilícitas na esfera administrativa, situam-se à margem do campo de tutela do art. 22, da Lei 7.492/86; no mercado de câmbio manual, não há que se cogitar da saída não autorizada de divisas do país em virtude da ausência de declaração pelo viajante do porte, em espécie, de moeda estrangeira em patamares superiores ao equivalente a dez mil reais; por sua vez, no mercado de câmbio sacado a atipicidade administrativa da operação cambial consubstancia pressuposto da tipicidade penal. Destarte, estando a operação de câmbio regulamentada nos atos normativos vigentes, é despicienda autorização do Banco Central do Brasil para que possa ter curso.
Abstract: The paper proposes a debate addressing foreign currency evasion, still considered an offense under Brazil’s legislation, and a new perspective on it, calling in question the legitimacy of the criminal law intervention in the field of foreign exchange operations control, as a governmental economic policy. Further, an exposition on the new set of rules enhanced to give the legal framework more flexibility, a better understanding and more uptoday means to interact with today’s economy. Afterwards, a brief comparative study between the Brazilian scenario and European Legislation on the subject, especially considering the decriminalizing effects derived from Community Law. At last, an analysis about the crime as described at its bill, demonstrating the exegetical mistake that courts and law professors have been repeating over the years about two of aspects of its structure: the moment when the foreign currency actually flows abroad and the need of legal authorization for the operations with this purpose.
Palavras chave: Evasão – Divisas – Câmbio – Moeda – Autorização.
Key Words: Evasion – Foreign – Currency – Exchange – Authorization.
1. Proposta de crítica
Ilegitimidade da ratio legislativa. Tipos penais mal construídos. Visão ultrapassada sobre os conceitos econômicos subjacentes aos elementos integrantes das normas penais incriminadoras. Anacronismo vigente. São estas as palavras de ordem em torno do arcabouço normativo tocante à repressão penal em matéria de operações de câmbio no Brasil, especialmente no que diz respeito à conduta objeto desta monografia, batizada sob o signo evasão de divisas. Tudo a justificar a interrogação que acompanha seu título, indicadora da perplexidade que sua análise suscita, como bem registrou o professor Arnaldo Malheiros na aula “Necessária reforma da legislação brasileira de crimes financeiros e tributários”, que ministrou no auditório da APAMAGIS, cidade de São Paulo, no dia 05.08.2004, no âmbito do curso de PósGraduação em Direito Penal Econômico e Europeu promovido pelo IBCCRIM em parceria com a Universidade de Coimbra.
A figura típica da evasão de divisas, com efeito, tem assento no art. 22, da Lei 7.492, de 1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional e dá outras providências, nos seguintes termos:
Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.
De fato, o que se afirmou acima, sobretudo quanto ao anacronismo, resulta naturalmente do próprio decurso do tempo entre a promulgação da norma e os dias que correm – cerca de 18 anos –, a criar um hiato empírico quase que intransponível dada a dinâmica amalgamada à matéria, de forma a situar a tutela penal a que se propôs ab initio completamente à margem do paradigma macro-econômico atual, tanto brasileiro como europeu.
Assim, num primeiro momento, o presente trabalho abordará o contexto em que ganhou vida o tipo de evasão de divisas, objetivando questionar a própria legitimidade da tutela penal nesta seara, bem como seu absoluto descompasso com o regime cambial hoje em vigor. Em seguida, será levada a efeito sucinta análise do direito comparado, nomeadamente de países europeus que, como nós, abraçam sistemas jurídicos à moldura da tradição romano-germânica. O momento seguinte, por sua vez, destinar-se-á ao estudo da conduta de evasão de divisas tal como posta no ordenamento pátrio, com ênfase ao retumbante equívoco da visão que predomina a seu respeito entre os operadores do direito de uma forma geral, para, à guisa de remate, aferir se ainda existe campo para sua aplicação, através do cotejo crítico dos seus contornos fundamentais.
2. Braço armado de uma política econômica
O ano de 1986, quando foi promulgada a Lei 7.492, logo apelidada de Lei do Colarinho Branco, dificilmente será esquecido pelos brasileiros. Adotavase então um regime cambial de cunho eminentemente intervencionista, seguindo uma lógica que remontava ao início do século XX, em virtude das reiteradas crises de divisas originadas pelas oscilações da receita com as exportações de café. Neste regime, de câmbio fixo, “o mercado de divisas passa a ser controlado pelas autoridades monetárias e os negócios com moedas estrangeiras são feitos através de bancos oficiais ou autorizados, sempre sob a fiscalização de um órgão central competente, coligado a esse sistema com o da emissão de papel moeda, com estreita ligação à política de importação e exportação (…)”.[1] Demais,“qualquer pagamento internacional só pode ser feito mediante análise das prioridades do Banco Central. Apesar de os bancos que operam no setor externo poderem continuar suas operações através de suas próprias filiais externas e/ou de seus bancos correspondentes no exterior, todas as operações são sujeitas à fila de espera antes da autorização do pagamento e todas as sobras de divisas são passíveis de serem recolhidas ao Banco Central. O principal efeito da centralização cambial é que todos os pagamentos externos ficam sujeitos à programação de desembolsos por parte do Banco Central. Trata-se, portanto, de um regime de racionamento de divisas”.[2]
Tal panorama encontrava-se em muito agravado pela crise da dívida externa de 1983, quando o Brasil pela primeira vez decretou moratória, decorrente, em caráter preponderante, dos perniciosos efeitos do segundo choque do petróleo, em 1979, e da negativa de socorro por parte do Fundo Monetário Internacional. Foi quando, em fevereiro de 1986, com vistas a colocar rédeas na desenfreada inflação em curso, anunciou-se a primeira tentativa efetivamente heterodoxa de combate a este fenômeno, através do denominado Plano Cruzado, que substituiu a moeda Cruzeiro pelo Cruzado, valorizando este nominalmente em mil vezes. Determinou-se, ainda, o tabelamento e o congelamento de todos os preços e salários existentes, freezer do qual não escapou a taxa de câmbio.[3]
Poucas semanas após ser posto em prática, o fulgurante fracasso do Plano Cruzado já se anunciava aos olhos de quem quisesse ver. A inflação medida “encontrava-se muito aquém do real crescimento dos preços, visto que era baseada em tabelas oficiais, que jamais combinaram com a realidade das ruas, onde a crescente escassez de produtos criava mercados negros em que os preços eram maiores do que tabelados, constituindo um overprice chamado ágio. (…) o congelamento do câmbio, aliado à existência de inflação interna, reduziu o poder de competição das exportações brasileiras e deteriorou a relação câmbio salários.” [4]
Ante o recrudescimento desta problemática, rendendo ensejo ao alargamento do mercado paralelo de câmbio – o black [5] – e à redução acelerada das reservas cambiais do país, corolário da substanciosa queda das exportações, veio o Estado, próprio artífice da situação, tentar evitar o caos valendo-se do seu braço jurídico armado: a via do direito penal. Aprovou-se, desta forma, não coincidentemente em junho de 1986 – ou seja, quatro meses após a entrada em vigor do Plano Cruzado –, a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, com sua grande vedete: a incriminação da evasão de divisas, trazendo-se, por tal arte, para o âmbito da ultima ratio, o controle sobre a saída de moeda do país, função que, focada pelos meios de comunicação de massa, sempre ávidos pela exploração do estigma do crime,
logo se acomodou na consciência popular como imprescindível mecanismo de proteção da pátria brasileira.
Tudo em vão, se levado em conta o objetivo de remediar a crise que se desenhava, pois as reservas de divisas continuaram a sofrer vertiginosa redução, culminando com a desastrosa e – por que não dizer? – atrapalhada segunda suspensão do pagamento dos serviços da dívida externa, logo no início do ano de 1987. Inequívoco, por tal arte, o visceral desprezo dispensado pelo legislador ao princípio da idoneidade, norte primeiro da sua atividade na seara penal, que lhe impõe a prévia realização de investigações empíricas em torno da utilidade e eficácia da incriminação para atingir os objetivos primordiais a que se propõe.[6]
A norma, em verdade, afigurava-se ilegítima em sua origem, considerando a ratio que inspirou sua edição. A própria doutrina que a antecedeu, malgrado com certa dose de razão criticando a omissão do legislador penal no âmbito do sistema financeiro, reconhecia que o objeto da tutela na hipótese deveria direcionar-se à “correta execução da política cambiária do Estado, visando a coibir as condutas que contra ela ofendam os direitos privativamente atribuídos ao Banco Central, no campo específico das suas prerrogativas de fazer funcionar regularmente o mercado cambial, bem como o normal processamento das exportações e importações”.[7]
O direito penal, todavia, rogata venia, não se presta a tais desideratos.
Políticas de governo, sejam elas econômicas, sociais ou culturais, emergenciais ou não, jamais podem ser implementadas pela via penal, ao menos num Estado que pretenda autodenominar-se democrático e de direito.
O emprego do direito penal como meio – ou seria muleta? – de execução de políticas de governo pode soar, apenas soar, legítimo em cenários como a Alemanha nazista, o Camboja de Pol Pot ou a República Dominicana de Trujillo, sempre ornamentados com falaciosos discursos sobre a grandeza da pátria e os superiores interesses da nação.
Por óbvio, não se quer aqui dizer que tais exemplos se aplicam nestas mesmas proporções, visivelmente extremas, ao caso da incriminação da evasão de divisas. O princípio, no entanto, é a rigor o mesmo: o Estado, buscando fazer valer sua política cambial nada ortodoxa, cujo colapso se avizinha, socorre-se do direito penal em esforço para evitá-lo, criando um novo núcleo de merecedores do anátema criminal.
Numa democracia jovem como a brasileira, que virou a última página dos anos de chumbo há pouco mais de quinze anos, implantada numa sociedade que padece de uma gangrena social propícia à incorporação do discurso do direito penal do inimigo, o perigo em aceitar semelhantes propostas afigura-se evidente.[8]
Daí porque a Carta Magna de 1988, em seu art. 62, § 1.º, com a redação que lhe outorgou a EC 32/2001, veda a edição de medida provisória – via legislativa colocada à disposição do Poder Executivo – sobre matéria relativa a direito penal, sinalizando, pois, que políticas de governo e direito penal encerram linhas paralelas, que jamais devem se encontrar.[9] Até mesmo porque políticas de governo tendem a ser fugazes, variando ao sabor de circunstâncias estranhas ao direito, máxime em matéria tão dinâmica como operações de câmbio, sempre exposta a crises internacionais cíclicas, em moldes incompatíveis com a estabilidade acentuada que a norma penal deve ostentar, projetando-se no futuro com vistas à proteção de um bem jurídico, perene em essência.
Como leciona o douto professor Luiz Regis Prado, “o bem jurídico – ponto central da estrutura do delito – constitui, antes de tudo, uma realidade válida em si mesma, cujo conteúdo axiológico não depende do juízo do legislador (dado social preexistente). (…) Isto porque o fim do direito não é outro que o de proteger os interesses do homem, e estes preexistem à intervenção normativa, não podendo ser de modo algum a criação ou elaboração jurídica mas se impõe a ela”.[10] No mesmo diapasão, o notável juspenalista Juarez Tavares ensina que “se tomarmos a ordem jurídica sob o pressuposto de garantia, a incriminação de uma conduta só deve ter por objeto jurídico o que possa decorrer de um ente real estável – a pessoa humana – e não de uma função, sendo inválidas as normas que assim o tratem. (…) o bem jurídico não pode perder, direta ou indiretamente, sua referência a um dado do ser, isto é, sua existência como tal deve preceder suas características normativas. Por exemplo, a vida humana tem existência real, independentemente de sua consideração normativa”.[11]
O que jamais se verificou quanto à evasão de divisas, cuja objetividade se resume à função de controle do fluxo de capitais, desprovida de dignidade por si só, ganhando-a, bem ao contrário, apenas através da via normativa, que poderia conduzi-la na melhor das hipóteses ao âmbito do direito administrativo, mas jamais ter o condão de atribuir-lhe relevância penal. E, por sua existência estar escorada somente em seus contornos normativos, que inauguraram à força sua carga ética, a invocada razão de ser da tutela penal em exame acabou por se esvair em curto lapso temporal, deixando, todavia, marcas que até hoje insistem em permanecer acesas, num retrógrado brilho verde e amarelo, nas mentes dos operadores do direito brasileiros.[12]
3. Nova realidade cambial
“O Brasil tem uma longa história de restrições sobre operações de câmbio. Durante muitos anos convivemos com os mais variados obstáculos à movimentação de moeda estrangeira e, em função disso, desenvolvemos alguns preconceitos, o principal dos quais a idéia de que qualquer saída de moeda estrangeira, a ‘evasão de divisas’, era considerada crime de lesa-pátria e, na melhor das hipóteses, uma transgressão justificada pela excessiva rigidez dos regulamentos. Nos últimos anos, contudo, neste domínio, muita coisa mudou, e com muita rapidez”.
As aspas denunciam: as palavras não são nossas. Tampouco são novas. Pertencem à máxima autoridade monetária brasileira, o Banco Central, que as fez publicar em novembro de 1993, em livreto intitulado O regime cambial brasileiro – evolução recente e perspectivas, amplamente divulgado pelo seu Departamento de Câmbio por diversos canais, como forma de “conferir a maior transparência possível às atividades do Banco, levando ao conhecimento da sociedade, em linguagem simples e objetiva, temas e problemas normalmente restritos a círculos especializados”. Isto notadamente porque, anos antes, em dezembro de 1988, visando a submeter ao efetivo controle governamental as operações realizadas no próspero black que se desenvolvia largamente aos olhos de todos13, o Conselho Monetário Nacional, órgão do Ministério da Fazenda, através da Resolução 1.552/98, criara o Segmento de Câmbio de Taxas Flutuantes, trazendo fundas modificações no regime de câmbio fixo até então em vigor, flexibilizando-o para deixá-lo com a seguinte feição: a) a taxa de câmbio passaria a variar conforme a oferta e demanda pelas moedas, sem intervenção do Banco Central, com operações registradas diariamente no Sistema de Informações do Banco Central, todas realizadas por instituições credenciadas;14 b) necessidade de identificação do residente no Brasil quando comprasse moeda estrangeira, dispensada a identificação do vendedor, fosse ele brasileiro ou estrangeiro.
Inicialmente restrito à satisfação das necessidades de moeda estrangeira em viagens internacionais – daí ter sido logo alcunhado de “dólar-turismo” – o mercado de taxas flutuantes foi ampliado em março de 1990 para tornar-se a regra, através da Resolução 1.690/1998 do Conselho Monetário Nacional, que permitiu às instituições financeiras credenciadas pelo Banco Central a contratação de quaisquer operações de câmbio a taxas livremente pactuadas, eliminando limites para posições de compra e venda de moeda estrangeira. Trata-se de sistema caracterizado como de “flutuação suja”, “no sentido de
contra a economia nacional. Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. v. 1. Problemas gerais. Coimbra: Coimbra Editora, p. 322).
- Chega a causar perplexidade, conquanto retrate de forma fidedigna a realidade, a franqueza da autoridade monetária brasileira no referido livreto quando indaga: “quem não teve a experiência de, ao viajar para o exterior, ter de recorrer ao paralelo para adquirir moeda estrangeira além do limite de US$ 1.000,00 estabelecido pelo Banco Central? Quem quisesse comprar divisas, legalmente, além desse limite, tinha de fazer um pedido ao Banco Central que, em épocas passadas, sistematicamente negava.”
- “O Sisbacen – Sistema de Informações do Banco Central é um sistema eletrônico de coleta, armazenagem e troca de informações que liga o Banco Central aos agentes do sistema financeiro nacional. Visto ser obrigatório o registro de todas as operações de câmbio realizadas no País, o Sisbacen é o principal elemento de que dispõe o Banco Central para monitorar e fiscalizar o mercado”. (O que é câmbio. Disponível em www.bacen.gov.br/pre/bc_atende/port/cambio.asp à época da elaboração da presente monografia (segundo semestre de 2004). No endereço, atualmente (setembro de 2006), consta a mensagem “conteúdo em revisão”).
que o mercado é livre para determinar a relação de troca entre o cruzeiro e o dólar, mas sofre intervenções do Banco Central para suavizar essas oscilações ou estabelecer o preço do dólar”.[13]
Destarte, de um cenário onde o Banco Central atuava diariamente para determinar a taxa de câmbio, autorizando toda e qualquer operação de compra de moeda estrangeira, evoluiu-se para um panorama onde os agentes do mercado podem adquiri-la a seu livre talante, no montante que bem entenderem, cabendo à autoridade monetária intervir no mercado tãosomente quando necessário para manter a níveis desejados as reservas internacionais.
Nos anos subseqüentes à criação deste novo segmento, o Banco Central viu-se sensivelmente aliviado em sua posição de caixa, agora oxigenada pelos dólares que antes circulavam pelo black[14] e por uma política que soube dar, com maior freqüência, respostas práticas corretas aos movimentos de mercado[15], de forma a escancarar que o caminho para equacionar a crise cambial que se desenhava anos antes residia na adoção de providências administrativas de controle, mesmo que estas, como foi o caso do câmbio flutuante, facilitassem a saída de moeda do país, em rota de colisão com a ratio da repressão penal,“numa aparente contradição e condição sine qua non para estimular o ingresso e manutenção de capitais”.18
De lá para cá o regime cambial do país seguiu este mesmo viés de liberalização, extinguindo-se quase que por completo a necessidade de autorização pontual para a aquisição de divisas em transferências internacionais de capital, eliminando-se, demais, limites quantitativos em inúmeras modalidades de operações desta natureza, de sorte a situar o Banco Central cada vez mais como uma espécie de “guarda noturno” do mercado de câmbio, mero expectador do jogo, que intervém apenas quando estritamente imprescindível para assegurar o poder aquisitivo da moeda nacional, sua missão precípua.
Dentro deste contexto, radicalmente diverso do quadro de severo racionamento de divisas outrora vigente, a figura típica sub examen ganha uma feição não apenas ilegítima, por ter eleito como objeto de proteção uma mera função estatal, desprovida de densidade axiológica pré-normativa, mas efetivamente despicienda à luz do caráter fragmentário do direito penal. Isto porque providências outras, atreladas às políticas econômicas que se sucederam ao longo dos anos – merecendo destaque o Plano Real, que criou a moeda homônima hoje consolidada, estável há aproximadamente dez anos –, vêm se mostrando quantum satis eficazes para assegurar a higidez das reservas cambiais e o poder aquisitivo da moeda brasileira, permitindo-lhes atravessar, ainda que com alguns arranhões, mais ou menos graves, as crises internacionais de mercado que se materializam em ciclos.19
bancos que rapidamente desmontaram suas posições compradas, o Banco Central operou com tranqüilidade no mercado, mantendo o cruzeiro sobrevalorizado (…).” (Ob. cit., p. 306-307).
- GAROFALO FILHO, Emilio, ob. cit., p. 425.
- A título de exemplo da diametral mudança de panorama à qual se refere, merece destaque notícia publicada no periódico O Globo do dia 25.11.2004, p. 27, seção de economia, acerca da quebra de recorde superavitário das contas externas do país no mês de outubro, considerando o saldo consolidado em transações correntes (soma de comércio exterior, pagamento de juros, viagens
Diante desta insofismável realidade, em 1994 um seleto grupo formado pelos maiores especialistas em câmbio do país, num esforço modernizador, reuniu-se em dois seminários promovidos nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, patrocinados por diversas instituições do mercado financeiro20, ao fim do qual a Fundação Getúlio Vargas, levando em conta as teses esgrimidas e consolidadas, confeccionou um projeto de lei, ofertando-o ao Poder Legislativo, com vistas a disciplinar “as operações de câmbio, o cadastramento e o tratamento dispensado ao capital estrangeiro no Brasil”.
De acordo com o art. 1º deste projeto, “o fluxo de divisas e moedas entre residentes e não residentes é livre, não sendo objeto de restrições de qualquer espécie, além dos casos previstos nos artigos 3.º e 4.º desta lei.” Estes dispositivos, por sua vez, estabelecem a hipótese em que o Conselho Monetário Nacional poderia impor, por tempo limitado, restrições ao fluxo de capitais entre residentes e não residentes, vale dizer, caso as Reservas Internacionais do Banco Central viessem a cair a nível correspondente ao valor de quatro meses de importações correntes, ou ante a iminência de tal situação. Nos termos da exposição de motivos do projeto de lei, “assistimos até agora a um processo de flexibilização cambial, com dualidade de mercados (rectius: o de taxas flutuantes e o paralelo), o que a experiência de outros países demonstra não ser recomendável. Assim, propõe-se uma liberalização do câmbio, uma descriminalização total das operações de compra e venda de moeda estrangeira, enfim, uma mudança de paradigma.”21
internacionais, remessa de lucros e dividendos) no valor de US$ 1 bilhão, o maior desde o início da série histórica, em 1947.
- Nomeadamente a Bolsa de Valores de São Paulo, a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, a Bolsa de Mercados e Futuros, a Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro, a Associação Nacional do Ouro e a Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos. 21 Todas as informações acerca deste projeto de lei, cuja tramitação não logramos identificar nos sítios de internet da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, foram obtidas em Garofalo Filho, ob. cit., p. 386-393.
A presente investigação, a toda evidência, não tem por escopo defender o acerto ou o equívoco da proposta de liberação irrestrita do câmbio, debate afeto aos economistas. Mas resta claro, de qualquer forma, que o tipo penal de evasão de divisas, por seu patente anacronismo, consubstancia, hoje, uma nota dissonante agredindo a sintonia do regime cambial adotado. E que, de mais a mais, não tem lugar dentro dos processos de integração econômica inter nationes que se desenvolvem ao redor do mundo, pois, como bem observado pelo eminente jurista e professor José de Faria Costa, “se todo comportamento, quer individual, quer colectivo, está inexoravelmente determinado pelo fenómeno da globalização, então, os comportamentos criminais, também eles não podem deixar de ser determinados por essa mesma realidade.”[16]
Nesta ordem de idéias, é interessante antever, numa visão otimista, que o Mercado Comum do Cone Sul – Mercosul –, embora ainda esteja em sua primeira fase de implementação, destinada à criação de uma zona de livre comércio[17], naturalmente caminhará para o próximo estágio em médio prazo, com a formação de uma união aduaneira, caracterizada pela comunhão dos direitos de livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, de molde a ensejar, inexoravelmente, a abolitio criminis da conduta de evasão de divisas.[18] Tal como se verifica atualmente na União Européia, onde figuras típicas assemelhadas ou análogas à evasão de divisas brasileira se tornaram peças de museu, desprovidas de importância na agenda do legislador na seara criminal.
4. Direito Europeu
O processo de integração entre os países europeus, há décadas em andamento, tendo ultrapassado a esfera comercial para alcançar o extremo da comunhão monetária, conduziu o Velho Mundo a uma posição de vanguarda jurídica no Globo, permitindo-lhe a concretização efetiva de um direito comunitário, partilhado por todos os Estados-membros do Bloco, hoje unificado sob a égide do Tratado da União Européia (Maastricht, 1992).
Como não poderia ser diferente, este processo de integração, em seu ângulo jurídico, trouxe importantes conseqüências para as legislações dos países agregados ao Bloco, produzindo fenômenos inéditos que vêm constantemente ocupando os juristas europeus, aqui nos interessando, em especial, o denominado efeito despenalizador do direito comunitário.
O direito comunitário, com efeito, ostenta supremacia em face do direito interno dos Estados-membros, rendendo ensejo, na esfera penal, “a lo que la doctrina denomina ius puniendi en sentido negativo de las Comunidades”, particularmente em dois tipos de situações: “en primer lugar, cuando el derecho comunitario genera un derecho o una libertad a favor de los ciudadanos, cuyo legítimo derecho actuaría como una causa de justificación frente a la norma penal nacional; en segundo término, cuando es la propia conducta prevista en la legislación nacional la que resulta incompatible con la norma comunitaria, en cuyo caso no se podría continuar aplicando dicha norma penal”.25 Por conseguinte, surge a obrigação de que “los
Preto, Minas Gerais, passando então, com isso, a figurar ao lado de Brasil, Bolívia, Chile, Peru e Venezuela.
25 TEJADO LLORENTE, Maria Luisa. Las relaciones entre el derecho comunitario y el derecho penal. Actualidad penal, n. 3 Madrid, 19 al 25 de enero de 1998, p. 51-52.
órganos jurisdiccionales de los Estados miembros interpreten el Derecho Nacional conforme al Derecho comunitario ya desarrollarlo a la luz del mismo.”[19]
O presente tópico, como já resta claro, tem por objetivo analisar, em breves linhas, o impacto das disposições legislativas comunitárias relacionadas com o fluxo de capitais entre os Estados-membros sobre tipos penais que incriminavam operações de câmbio de remessa de valores para o estrangeiro, tendo como norte os ordenamentos jurídicos de Portugal e de Espanha, que, como nós, seguem o paradigma romano-germânico da civil law.
4.1 Portugal
O crime de câmbio ilegal, tal como chamado pela doutrina portuguesa, tinha assento no Decreto-lei 630/76, cujo art. 1.º descrevia as seguintes condutas:
São punidos com prisão, sem prejuízo de sanção mais grave que resulte da lei geral, aqueles que promovam ou executem, com inobservância dos condicionamentos legais:
- A importação, exportação, reexportação de capitais entre residentes no território nacional e residentes no estrangeiro;
- Todas as operações de liquidação das transacções referidas na alínea antecedente, incluindo as de compensação;
- Qualquer operação expressa em moeda estrangeira ou a esta relativa;
- A compra e venda de notas estrangeiras, ouro, prata, metais e pedras preciosas e ainda toda a operação que envolva a aquisição ou alienação de meios de pagamento sobre o estrangeiro;
- A exportação ou a saída, para o estrangeiro, de ouro, notas, moedas metálicas e quaisquer meios de pagamento, metais e pedras preciosas, objectos destes materiais, títulos de crédito e de quaisquer outros que possam implicar entregas ou pagamentos em escudos a não residentes ou a favor destes.[20]
Dentre os condicionamentos legais aos quais se refere o caput do art. 1.º, vamos encontrar, nos termos do Decreto-lei 44.699 de 1962, a necessidade de se submeter ao crivo do Banco de Portugal quaisquer operações de compra e venda de ouro e moeda estrangeira, ou qualquer operação que envolvesse aquisição ou alienação de meios de pagamento sobre o estrangeiro.
O crime de câmbio ilegal, a símile da evasão de divisas brasileira, também veio à tona num contexto emergencial, levando em conta que Portugal “vivera, no ano de 1975, uma situação de forte crise econômica, que impunha uma gestão conjuntural da economia portuguesa. Tendo em conta o facto de se viver um período de relativa estabilidade política, procurou atingirse igualmente a estabilização econômica, em particular, pela via do controlo de câmbios, tentando-se suster a fuga de capitais do país, preocupação visível no diploma objecto de análise neste Capítulo.”[21]
O primeiro passo para a descriminalização das condutas em foco foi dado com o Tratado de Adesão às Comunidades Européias, assinado em junho de 1985 por Portugal, que passou então a ficar vinculado ao Tratado da Comunidade Econômica Européia (Roma, 1957). Este, com efeito, previa a eliminação das limitações existentes quanto à circulação, entre os Estadosmembros, de mercadorias, pessoas e capitais, ressalvando, no entanto, que tais medidas seriam promovidas “na medida em que tal fosse necessário ao bom funcionamento do mercado comum”. Deste modo, apenas com o advento, em junho de 1988, da Diretiva 88/361[22], editada pelo Conselho da Comunidade Econômica Européia (CEE), foram de fato suprimidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre residentes na comunidade, medida cuja vigência, em Portugal, teve início a partir de 01.01.1993. Ampliando ainda mais estes horizontes, o art. 73-B do Tratado da União Européia vedou qualquer tipo de restrição aos movimentos de capitais não somente entre os Estados-membros, mas também entre estes e países terceiros, a partir de 01.01.1994, conquanto tenha o art. 73-F deste mesmo Diploma reservado a possibilidade de aplicação de medidas de salvaguarda, por período limitado, em face de circunstâncias excepcionais, quanto ao fluxo de capitais provenientes ou com destino a países estranhos à União Européia.
Diante desta contundente modificação de cenário, o ilustre professor Miguel José Reis Fonseca arremata, com razão, seguro nos denominados efeitos negativos do direito comunitário, que “no seio da Comunidade Européia, não são mais aplicáveis as disposições penais internas analisadas na 1ª parte, referentes às transacções de moeda estrangeira. Assim, não são puníveis as operações cambiais entre países membros que sejam efectuadas em contravenção da regulamentação contida em diplomas como os DecretosLeis 44.698 e 44.699 (já referidos no Capítulo I) e em geral de toda a regulamentação tornada inaplicável com o Direito Comunitário.”[23]
4.2 Espanha
O direito criminal espanhol contempla uma categoria de delitos denominados monetários, outrora alocados no art. 6.º da Lei 40/79, diploma que veio a ser alterado pela Lei Orgânica 10/83, muito embora sem trazer modificações quanto ao esquema das condutas penalmente típicas, que se encontravam assim descritas:
Cometen delito monetario los que contravinieren el sistema legal de control de cambios mediante cualquiera de los actos u omisiones siguientes, siempre que su cuantía excede de 2.000.000 pesetas:
- A) Los que sin haber obtenido la preceptiva autorización previa o habiéndola obtenido mediante la comisión de un delito:
1.º. Exportaren moneda metálica o billetes de Banco españoles o extranjeros, o cualquier otro medio de pago o instrumentos de giro de crédito, estén cifrados en pesetas o en moneda extranjera;
2.º. Importaren moneda metálica española o billetes del Banco de España, o cualquier otro medio de pago o instrumento de giro o crédito cifrados en pesetas;
3.º. Los residentes que a título oneroso adquieran bienes muebles sitos en el extranjero o títulos mobiliarios emitidos en el exterior y los residentes que aceptaran préstamos o créditos de no residentes o se lo otorgaran, o garantizasen obligaciones de no residentes;
4.º. Los que en territorio español aceptasen cualquier pago, entrega o cesión de pesetas de un no residente, o por su cuenta, o los realizaren en su favor o por su cuenta.
- Los residentes que no pusieren a la venta, a través del mercado español autorizado, y dentro de los quince días siguientes a su disponibilidad, las divisas que posean.
- El que obtuviere divisas mediante alegación de causa falsa o por cualquier otra forma ilícita.
- El que destinare divisas lícitamente adquiridas a fin distinto del autorizado.
O culto profesor Manuel Cobo del Rosal aduz severa crítica à incriminação em exame, ao argumento, tangente àqueles consignados no tópico 2 supra, de que “cuando lo que se eleva a la condición de objeto protegido penalmente es la infracción de meros intereses administrativos (ausencia de autorización), el ataque a los mismos carece de la necesaria lesividad social, requisito ineludible, en puros principios, para constituir el desvalor penal, dando lugar, a lo sumo, a un mero injusto administrativo, perseguible, en su caso, por esa vía y no por la penal.”[24]
De toda sorte, uma elementar inserta no caput da norma penal incriminadora – a ofensa ao sistema de controle de câmbios, integrada pelo Real Decreto 2.402/80, onde se previa a necessidade de autorização prévia para várias das operações elencadas no art. 6.º da Lei 40/79 –, foi duramente alvejada pelo Real Decreto 1.816/91, que, sob o influxo direto da já referida Diretiva 88/361/CEE,[25] estabeleceu: “son libres los actos, negocios, transacciones y operaciones de toda índole que supongan, o de cuyo cumplimiento se deriven o puedan derivarse, cobros o pagos entre residentes y no residentes, o transferencias al o del exterior, a que se refieren los artículos 1 y 2 de la Ley 40/79 (…), sin más excepciones que las que se deriven de la aplicación de lo dispuesto en los artículos 3, 4 y 5 del presente Real Decreto (…)”. Dentro desta ressalva, rezava o artigo 4.º: “la salida del territorio nacional de moneda metálica, billetes de banco y cheques bancarios al portador, estén cifrados en pesetas o en moneda extranjera, es libre. No obstante lo anterior, dicha salida estará sometida a declaración cuando su importe sea superior a 5.000.000 de pesetas por persona y viaje.” O art. 10 do Real Decreto 1.816/91, a seu turno, preconizava que o descumprimento desta obrigação de declaração, com este novo parâmetro de valor, sujeitaria os infratores aos rigores da Lei 40, de 1979.
Instado a se manifestar sobre a matéria em fevereiro de 1995, na forma do art. 177 do Tratado de Roma, em decorrência de questão prejudicial suscitada no curso de processo criminal que tramitava perante juízo espanhol, versando sobre a prática de exportação ilegal de dinheiro, no sentido de questionar se a adequação típica da conduta seria compatível com a Diretiva 88/361/CEE, o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia, “el único órgano competente para resolver las cuestiones que se susciten sobre la interpretación del ordenamiento comunitario”[26], consagrou o entendimento de que “los artículos 1 y 4 de la Directiva 88/361/CEE (…) se oponen a que la exportación de monedas, billetes de banco o cheques al portador se supedite a una autorización previa, pero, por el contrario, no se oponen a que dicha operación se supedite a una declaración previa”. Destarte, “se ha despenalizado el delito monetario definido en el articulo 6.A), 1.º e 2.º da Ley Organica 10/83, sobre régimen legal de control de cambios, consistente en la exportación o importación sin autorización previa de moneda metálica o billetes de Banco españoles o extranjeros.”[27]
Não obstante, em junho de 1995, o Tribunal Supremo Espanhol decidiu que subsistiria o delito monetário de exportação clandestina de capitais em quantias superiores a 5 milhões de pesetas, ao fundamento de que, por força do Real Decreto 1.816/91, o requisito normativo da falta de autorização administrativa teria agora sido substituído por outro, a ausência de declaração do agente.[28]
Contra este posicionamento, o professor Cobo del Rosal esgrima argumentos irrespondíveis, em especial de que se estaria a criar um novo tipo penal por via oblíqua, em franca ofensa ao princípio basilar da legalidade, já que “la materia penal solo puede regularse mediante una Ley (orgânica) no permitiéndose al reglamento ‘una regulación independiente y no claramente subordinada a la Ley”.[29] É que o art. 81.1 da Constituição Espanhola prevê a reserva absoluta de Lei Orgânica para dispor sobre matéria relacionada a direitos fundamentais, razão pela qual um mero Real Decreto não poderia se prestar à criação de tipos penais, com o estabelecimento de penas privativas de liberdade.
De outra parte, segundo o professor, não se justifica, em termos de proporcionalidade, que, enquanto se tenha descriminalizado todo e qualquer tipo de transação e transferência para o exterior, pouco importando a quantia envolvida, se mantenha a tutela penal, de forma absolutamente casuística, para a exportação física de moeda, sem declaração perante a autoridade competente, em valor superior a 5 milhões de pesetas.[30] De sorte que “la no obtención de declaración constituiría infracción administrativa, sin responsabilidad penal aun cuando se trate de desplazamientos superiores a los cinco millones de pesetas por haber desaparecido el requisito de la autorización previa, integrador de la norma penal en blanco”.[31]
A celeuma acabou por provocar a Consulta 1/96 dirigida a Fiscalía General del Estado, que se posicionou no sentido de que “no se debía perseguir por la vía penal los actos de exportación de capital sin declaración, tanto sean inferiores como superiores a 5.000.000 de pesestas, (…) sin perjuicio de pasar el tanto de culpa a las autoridades administrativas a los efectos legales procedentes y por si en ámbito legal fuera aplicable alguna sanción”.[32]
5. Evasão de divisas?
Dissecada a ilegitimidade da ratio fundante do tipo penal de evasão de divisas, mera função de controle cuja carga ética foi fincada pela norma, exposto seu descompasso com o regime cambial atualmente em vigor no Brasil, que revela sua desnecessidade à vista do caráter fragmentário do direito penal, e demonstrado seu anacronismo em contraste com o atual estágio de evolução da ciência jurídica européia, melhor ajustada aos processos de integração econômica entre as nações, cumpre analisá-lo amiúde tal como posto entre nós, já que aí se encontra há cerca de 18 anos em plena vigência, importando-nos especialmente, neste primeiro momento, contestar, com o vigor que o encargo exige, uma visão equivocada a seu respeito que costuma ser aceita sem maiores questionamentos entre os operadores do direito no
Brasil.
Com efeito, encontra-se enraizado no país um ângulo de visão sobre a conduta de evasão de divisas que, a grosso modo, mas sem exageros, pode ser esquematizado através do seguinte silogismo: Premissa maior – o agente é titular de valores no estrangeiro; Premissa menor – estes valores não foram transferidos para o estrangeiro pelas vias oficiais; Conclusão – Houve evasão de divisas.
Esta perspectiva está imbricada à idéia de que o momento consumativo do delito se dá com a transposição da moeda para além dos limites do território nacional, pois, com isso, estaria efetivada a promoção da sua saída para o estrangeiro, proporcionando, por conseguinte, a redução das reservas cambiais do país, cuja preservação, a fim de atender à política governamental, reflete o objeto da tutela penal segundo a doutrina.[33] O ilustre Procurador da República Rodolfo Tigre Maia, neste passo, afirma que o iter do injusto se encerra “quando são ultrapassadas as fronteiras do território nacional”.[34] Da mesma forma, o culto advogado Nilo Batista sustenta que “não há dúvida de que só com a real ‘saída de moeda ou divisas’ do território brasileiro estará o delito consumado”[35], ao passo que o douto Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, sem destoar, assevera que “na lavagem de dinheiro, a moeda tem de sair do território nacional, momento em que se tipifica a evasão de divisas”.[36]
No entanto, data venia, a supervalorização deste aspecto denota um desvio de perspectiva, que tem o condão de eclipsar o ponto nevrálgico da problemática.
A evasão de moeda do país, em verdade, não deve ser associada à transposição das suas fronteiras físicas. Pois, a se adotar semelhante raciocínio, força seria reconhecer que o próprio Banco Central do Brasil seria o principal agente da saída de divisas do território nacional, considerando as robustas posições em moeda estrangeira que mantém em diversas instituições financeiras no exterior para honrar os compromissos do país no mercado internacional. As reservas do Banco Central não estão alocadas num gigantesco cofre repleto de notas de dólar em Brasília, semelhante àquele pertencente ao famoso personagem de Walt Disney. Suas posições em moeda estrangeira encontram-se escrituradas no exterior, fora dos limites do território nacional, mas sob a sua própria titularidade, aqui residindo, precisamente, o aspecto merecedor de realce.
O que caracteriza a saída de moeda do país, de fato, é a transferência da titularidade de posição em moeda de um residente para um não residente no país. Somente quando isto se verifica as reservas de divisas do país sofrem efetiva redução. Caso um residente no Brasil transfira determinado valor para a conta no exterior de um outro cidadão também residente no Brasil, não se pode de forma alguma cogitar da ocorrência de evasão de divisas, pois aquela quantia permanece integrando as reservas cambiais brasileiras, que, deste modo, não sofrem qualquer prejuízo. Este conceito veio a ser inclusive positivado pelo próprio Banco Central do Brasil através do art. 7.º da Circular 2.677/9644, ainda que com o tradicional hermetismo característico dos atos normativos da entidade, nos seguintes termos: “para fins e efeitos desta Circular, caracterizam: (…) II – saída de recursos do país os créditos efetuados pelo banco depositário em contas tituladas por domiciliados no exterior, exceto quando os recursos provierem de venda de moeda estrangeira ou diretamente de outra conta da espécie.”
De maior apuro técnico foi a legislação portuguesa, que inseriu expressamente este elemento no tipo penal de câmbio ilegal, ao descrever, à época da sua criação, conforme visto no tópico 4.1 supra, “a importação, exportação, reexportação de capitais entre residentes no território nacional e
encontram-se insertos no rol de delitos antecedentes da lavagem de dinheiro, nos termos do art. 1.º da Lei 9.613/98.
residentes no estrangeiro”, em inobservância aos condicionamentos legais. O projeto de lei brasileiro versando sobre matéria cambial elaborado pela Fundação Getúlio Vargas (cf. tópico 3 supra), com base nas propostas dos mais autorizados técnicos em câmbio do país, também pôs em relevo este ponto nodal ao proclamar que “o fluxo de divisas e moedas entre residentes e não residentes é livre, não sendo objeto de restrições de qualquer espécie
(…)”.45
Em sendo este o cerne da caracterização da evasão de divisas – a transferência de titularidade de valores entre um residente e um não residente –, encerrando o especial fim de agir descrito na cabeça do art. 22, da Lei 7.492/86 e a própria conduta alinhada na primeira parte do parágrafo único deste mesmo dispositivo, é se observar que um conhecido personagem das páginas policiais dos periódicos brasileiros, o denominado doleiro, agente do black, por mais que se insista em afirmar o contrário, não comete esta modalidade de injusto quando realiza as vulgarmente chamadas operações cabo.
- Estabelece procedimentos e condições para abertura, movimentação e cadastramento no SISBASCEN de contas em moeda nacional tituladas por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas ou com sede no exterior e dispõe sobre as transferências internacionais em reais.
- “O conceito de Residência (…) baseia-se no critério de centro de interesse econômico de pessoas ou entes nas transações de balanço de pagamentos e independe de critérios jurídicos e de nacionalidade, conforme definição adotada internacionalmente. Assim, uma entidade, pessoa física ou jurídica, é residente de um país quando seu centro de interesse econômico se localiza no território econômico desse país. O conceito de residente compreende, por conseguinte, o governo em todas suas esferas, as pessoas físicas e as instituições privadas em geral, os quais se definem em função do vínculo com a economia do país. De modo mais operacional, são residentes as pessoas jurídicas com sede no país, assim como as pessoas físicas aí domiciliadas, ou que tenham a intenção de assim permanecer, por um período superior a um ano. Desse modo, incluem-se, nessa definição, funcionários de representações estrangeiras, estabelecimentos militares e outras unidades de governo estrangeiro, mas excluem-se tais representações como pessoas jurídicas.” (Estatísticas Bancárias Internacionais: definições de conceitos e procedimentos de apuração, disponível em www.bcb.gov.br/htms/normativ/NotaTecnicaCCirc2967.pdf) Em Portugal foram trazidos para o campo do direito positivo diversos conceitos econômicos relevantes para a melhor compreensão do tema, a exemplo de operações econômicas e financeiras com o exterior, operações cambiais e a definição de residentes e não residentes, tudo nos termos do Dec.-lei 295/2003. O mesmo foi feito pelo ordenamento espanhol, por meio da Lei 19/2003, que dispôs sobre o régimen jurídico de los movimientos de capitales de las transacciones económicas con el exterior y sobre determinadas medidas de prevención del blanqueo de capitales.
Nas operações cabo, que recebem este nome pelo fato de serem efetuadas por telefone – ou ao menos assim eram feitas à época em que surgiram –, o doleiro recebe do interessado dinheiro no Brasil em moeda corrente, em nome próprio ou de “laranjas”, para em contrapartida providenciar, com recursos alocados em contas que mantém no exterior em nome próprio ou de terceiros, desconhecidas das autoridades pátrias, o depósito da quantia correspondente convertida para a moeda do país estrangeiro eleito pelo beneficiário da transação, que então alimenta conta que ali já mantinha ou passa a manter. Como esclarece Bruno Ratti, “essas transações são realizadas na base da pura confiança, pois nenhum comprovante é fornecido ao interessado que, deste modo, nada poderá reclamar em caso de falhas ou má-fé por parte dos ‘banqueiros’”.[37]
Trata-se de operações clandestinas, ilícitas? Sem sombra de dúvidas, considerando que o art. 65 da Lei 9.069/95 determina que “o ingresso no País e a saída do País de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancário a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário”. A ratio do comando legal reside em que “o regime cambial do Brasil, como já se apontou, é de monopólio do câmbio. Isto significa que os residentes no país, incluindo aí o sistema financeiro internacional, são obrigados a submeterem todas as suas transações em moeda estrangeira do crivo do Banco Central”.[38]
Mas o fato incontroverso de serem tais operações clandestinas, ilícitas, permite a conclusão de que implicam, necessariamente, na prática do crime de evasão de divisas?
Seguramente não.
Isto porque na operação cabo não há saída de divisas do Brasil. Nenhum centavo de real é transferido de um residente no país para um residente no estrangeiro. Bem ao contrário, a quantia contratada permanece em poder do doleiro, expressa em reais, literalmente em território nacional, ao passo que ele, o doleiro, por meio de conta clandestina que mantém no estrangeiro, disponibiliza fora do Brasil recursos em favor do contratante da operação, no país por este indicado.
O cliente do doleiro deveria ter engendrado esta operação através do Sistema de Informações do Banco Central (SISBACEN), mas não fez, deixando de adquirir moeda estrangeira pelas vias oficiais, perante uma instituição autorizada a operar com câmbio. Por esta ponta da operação, portanto, nenhuma redução das reservas do país foi levada a efeito.
Já o doleiro, a seu turno, um brasileiro residente, por ter adquirido no exterior a moeda estrangeira pertencente às reservas de um outro país, empregada para alimentar as contas dos seus clientes ao redor do mundo, deveria ter submetido tais compras ao crivo do Banco Central, a fim de que se computasse o respectivo incremento das reservas cambiais do Brasil.[39]
Porém, o fato de com sua conduta, de natureza essencialmente omissiva, não ter permitido o ingresso de moeda no estoque de divisas brasileiro não pode ser interpretado como se fosse a rigor idêntico, sem qualquer distinção, à promoção da saída de divisas do país. Em primeiro porque, como leciona o culto professor e advogado José Carlos Tórtima, “o crime está em promover a saída de recursos para o exterior, fórmula que não pode ser ampliada para assimilar a hipótese de frustrar o ingresso de divisas no País. Fazê-lo seria admitir-se a aplicação analógica em prejuízo do acusado, o que vulnera o já referido princípio da vedação da analogia nessas circunstâncias, inafastável corolário do próprio dogma da reserva legal”.[40] Verificar-se-ia na hipótese, eventualmente, adequação a algum tipo de ilícito administrativo, a exemplo daquele previsto no art. 1.º do Dec. 23.258/33, mas não crime de evasão de divisas.[41]
Para que a operação cabo, por si só, pudesse se revestir de adequação típica penal, seria mister previsão legal que dispusesse algo como suprimir divisas através da omissão de informações às autoridades monetárias, em termos praticamente idênticos ao crime de sonegação fiscal do art. 1.º, I da Lei 8.137/90. O que não se pode de forma alguma é admitir-se a exegese de que um verbo tão carregado de significado ativo, como é o caso de promover, alocado tanto na cabeça como no parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/86, seja conduzido ao diametral extremo da equiparação à ausência de comunicação do agente.
Sequer nos parece correto falar, como usualmente se fala, em remessas para o exterior na espécie de operação em foco, pois esta expressão transmite a idéia, falaciosa, de que divisas pertencentes às reservas nacionais foram destacadas e enviadas para fora do país, quando o que a rigor ocorre é a disponibilização de recursos no exterior, feita por um residente no Brasil (o doleiro) em benefício de outro (o cliente), valendo-se ambos de moeda estrangeira integrante do estoque de divisas de uma outra nação, que deixa de ser contabilizada no estoque de divisas do Banco Central em decorrência da clandestinidade da via por onde a transação teve curso.
Numa palavra: não havendo transferência de titularidade de moeda entre um residente e um não residente, não há que se cogitar de evasão, fuga ou saída de divisas do país, de sorte que as transações cambiais clandestinas entre residentes no Brasil, visando à disponibilização de recursos no exterior, malgrado eventualmente ilícitas, não possuem o condão de provocar baixas nas reservas do Banco Central. Até mesmo porque, conforme o magistério de Álvaro Zini Jr., Doutor em matéria cambial pela Universidade de Cornell, “o mercado paralelo, por suas características, não é contabilizado para os propósitos do balanço de pagamentos e não implica responsabilidade sobre a posição de reservas internacionais das autoridades monetárias”, verificando-se, portanto, que mesmo para os técnicos, em seus cálculos macro-econômicos, as operações cabo mostram-se irrelevantes para fins de cômputo das posições em moeda estrangeira do Banco Central do Brasil.[42]
Os arautos da direita penal, hipercriminalizadores por excelência, possivelmente incomodados a esta altura, dirão que estamos a defender a impunidade dos doleiros. Um passar de olhos mais acurado sobre a questão, todavia, basta para derrubar o sofisma.
Como bem observa Nilo Batista, “o delito de evasão de divisas tende a desaparecer, perante os interesses do capitalismo financeiro transnacional que hoje dá as cartas, sendo substituído pela nova estrela da pauta das políticas criminais do empreendimento econômico internacionalmente dominante: a lavagem de dinheiro”.[43] De fato, dependendo do perfil do cliente do doleiro e, sobretudo, das circunstâncias do caso concreto, estará ele a assumir o risco de figurar como partícipe ou mesmo co-autor do crime de branqueamento de capitais, na medida em que, ao disponibilizar no exterior para um residente no Brasil quantias em moeda estrangeira, com a discrição que somente uma conta clandestina é capaz de proporcionar, poderá contribuir para a ocultação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores oriundos de um dos delitos enumerados no art. 1.º da Lei 9.613/98.
Não sendo assim, ou seja, caso os valores recebidos pelo doleiro no Brasil em moeda corrente como contrapartida da operação cabo não sejam provenientes de um dos crimes antecedentes da lavagem de dinheiro, estará ele, por outro lado, colaborando para a omissão de informações à Receita Federal com o fim de suprimir lançamento de tributo, crime capitulado no art. 1.º, I da Lei 8.137/90, já aludido, uma vez que os referidos valores, oriundos em sua maioria do “caixa dois” de empresas, deveriam ter sido ofertados à tributação mas não o foram, disponibilizando-se-os no estrangeiro, ao invés disso, em contas desconhecidas das autoridades fazendárias brasileiras.[44]
Em síntese, o doleiro continuará sujeito ao peso da ultima ratio, mas sob o manto de outros tipos penais que não o da evasão de divisas, numa perspectiva melhor adequada ao contexto jurídico global de repressão à criminalidade econômica. Os periódicos seriam os únicos a sair perdendo com este avanço, visto que teriam de excluir dos seus arquivos de “boas manchetes” a expressão, geralmente talhada em letras garrafais, crime de evasão de divisas.
De resto, antes de encerrar este tópico, não podemos deixar de fazer coro à crítica, consignada pelo professor Arnaldo Malheiros na aula mencionada no tópico 1 supra, quanto à imprecisão do legislador nacional ao importar para a seara jurídico-penal conceito econômico assaz complexo, qual seja, o de divisas, assim, pura e simplesmente, sem maiores esclarecimentos, de molde a aumentar ainda mais a insegurança e incerteza quanto aos contornos das condutas cuja adequação típica reclama sua presença. Restaria ao cidadão mais informado recorrer, v.g., ao estudo do ordenamento português, onde o legislador enumerou exaustivamente, de forma até repetitiva, mas salutar, os objetos materiais do crime, fazendo menção a capitais, moeda estrangeira, ouro, prata, metais, pedras preciosas, objetos feitos destes materiais, títulos de crédito e quaisquer outros que possam implicar entregas ou pagamentos em escudos a não residentes ou a favor destes.[45] Outra opção seria buscar luzes nos léxicos da economia, por assim dizer, que traduzem o conceito de divisas em “letras, cheques, ordens de pagamento etc. que sejam conversíveis em moedas estrangeiras, e as próprias moedas estrangeiras de que uma nação dispõe, em poder de suas entidades públicas ou privadas”.[46]
Tal desprezo pela boa técnica legislativa não chega a causar espécie vindo do responsável pela descrição de condutas como a de gestão temerária, que, a símile da evasão de divisas, de tão imprecisa, deveria instar no exegeta repulsa à sua aplicação, ao invés conduzi-lo, a um viés salvacionista, como costuma ocorrer no Brasil, em possível reflexo da formação acadêmica positivista que impregna as Faculdades de Direito do país.[47]
6. A questão da autorização
Tanto o caput como o parágrafo único da Lei 7.492/86 exigem o elemento autorização para a configuração da conduta penalmente relevante. Na cabeça do dispositivo legal pune-se a operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover a evasão de divisas, ao passo que no parágrafo único o alvo da tutela descansa em coibir a promoção, sem autorização legal, da saída de moeda ou divisa para o exterior. A perfeita compreensão do espectro de abrangência da incriminação, outrossim, passa necessariamente pela análise das situações em que seria, ou não, autorizada a saída de moeda do país.
Nos parece evidente que se está a cuidar de norma penal em branco, a rigor própria, já que, predominantemente, os fios condutores da política cambial – malsinado objeto de proteção eleito –, dentre os quais se inclui a enumeração de operações de câmbio condicionadas à autorização, são fixados por meio de atos administrativos normativos a cargo das autoridades monetárias. Numa perspectiva comparativa, revela-se pertinente a análise dos ensinamentos doutrinários em torno dos tipos penais equivalentes à evasão de divisas nos ordenamentos de Portugal e Espanha, haja vista os pontos de interseção que possuem com a figura típica brasileira, todos a exigir elementos estranhos à norma penal para sua integração, como a ausência de autorização prévia e a inobservância aos condicionamentos legais impostos.57
Na mesma ordem de idéias ora em defesa, Manuel Reis Fonseca sustenta, com arrimo em parecer da lavra do mestre Figueiredo Dias, que “o legislador penal optou pela técnica da chamada norma penal em branco, ‘deixando assim a uma entidade diversa a fundamentação constitutiva da
do princípio da tipicidade.” (Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico. Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. v. 1. Problemas gerais, p. 355).
57 Cf. tópicos 4.1 e 4.2 supra.
punibilidade. ’ ”[48] Cobo del Rosal, a seu turno, afirma que “estamos, de esa forma, pues, ante una Ley penal en blanco que, como ha señalado la doctrina científica, tanto permite una situación real de total libertad, como de plena restricción, habida cuenta de las omnímodas y censurables facultades reglamentarias que convede al Gobierno”, relembrando, ainda, as ácidas críticas que os doutos dispensam a este tipo de técnica legislativa, acoimando-a de inconstitucional por infringir o princípio da reserva legal.[49] Entre nós, perfilha este entendimento o festejado professor Manoel Pedro Pimentel, segundo o qual “tanto na cabeça do artigo, como no seu parágrafo único, encontramos normas penais em branco, do tipo lei incompleta, uma vez que o legislador coloca elementos normativos que carecem de interpretação dependente de outras normas, emanados do mesmo legislador, indicados com as expressões não autorizadas e sem autorização legal”.[50]
Afigura-se equivocado, por outro lado, com todas as vênias, o entendimento do insigne Procurador da República Tigre Maia, para quem “não se trata aqui de norma penal em branco, que demande legislação integrativa que fixe os limites autorizados para a exportação de moedas e divisas. A lei tornou, desde logo, ilícita tal conduta; as causas permissivas, se editadas, serão apenas causas de exclusão de tal antijuridicidade (‘exercício regular de direito’), mas a aplicação do tipo independe de tais normas”.[51] A seguir-se semelhante linha de raciocínio, forçosa seria a conclusão de que todo empresário brasileiro residente que importa produtos de outro país estaria a praticar a conduta penalmente típica, já que, ao efetuar pagamentos pela via oficial aos seus fornecedores, transfere a titularidade de moeda integrante do estoque de divisas nacional para uma pessoa, física ou jurídica, domiciliada no exterior. Da mesma forma, ao tomar um copo de um bom vinho português numa viagem de férias, todo brasileiro residente estaria enquadrado à moldura do tipo, já que, para tanto, teria de entregar euros que lhe pertencem, adquiridos no Brasil, para o dono do estabelecimento na Europa.
Por demais óbvio, estes dois prosaicos exemplos, que se repetem na prática inúmeras vezes ao longo de um único dia, versando sobre rotinas econômicas regulares e básicas de qualquer país, não encerram hipóteses permissivas, que afastam a ilicitude da conduta. Caso desejasse de fato tornar ilícita como regra a saída de moeda do país, o legislador teria descrito a conduta promover a evasão de divisas, sem qualquer menção à falta de autorização legal. Tal como fez em relação ao delito de homicídio, descrito no art. 121, caput do CP como matar alguém, e não matar, sem autorização legal, alguém. Ao criar um espaço de incriminação, o legislador não necessita frisar que o comportamento descrito não é autorizado, pois a vedação à sua prática é da própria essência desta espécie de norma penal. Se o faz, isso significa que está remetendo o intérprete a uma outra norma, de cunho auxiliar, onde o espectro de abrangência da tutela será fixado.[52]
Além disso, a proposta de se reputar proibida, porquanto ilícita, como regra, toda e qualquer promoção de saída de divisas do país, e o que é pior, sob o anátema do direito penal, traz “cobertura para uma perigosa modelação ou direcção da vida económica que contraria o princípio da liberdade de exercício de actividades económicas, essencial ao sentido da economia de mercado. Seguindo-o, ir-se-ia esfacelar a força dinamizadora da livre iniciativa, negando a finalidade do lucro que largamente promove o desenvolvimento e o progresso económicos”.63
Estamos diante de norma penal em branco.
Cumpre, outrossim, buscar os elementos que a integram, sendo oportuno, para tanto, fazer análise em apartado das situações referentes aos mercados de câmbio manual e de câmbio sacado.
O mercado de câmbio manual “nada mais é do que o comércio de dinheiro em espécie quando pelo menos uma das moedas transacionadas for de país estrangeiro. São transacionadas não apenas as cédulas bancárias, como também moedas metálicas em circulação. O câmbio manual, porém, é muito limitado; é utilizado praticamente por viajantes que se dirigem para o exterior e que, assim, adquirem os recursos para atender às despesas pessoais fora do país, bem como por viajantes que procedem do exterior e que necessitem adquirir moeda nacional”.64 O §1º do art. 65, da Lei 9.069/95, analisado no tópico 5 supra, excepciona a obrigatoriedade da saída de divisas do país pela via bancária para permitir o porte, em espécie, de quantia equivalente a no máximo dez mil reais (incisos I e II). Para valores acima deste patamar, é necessária que a saída seja comprovada na forma prevista na regulamentação pertinente (inciso III).65 Esta, por sua vez, veio através da Instrução
necessidade”. (Curso de direito penal brasileiro: parte geral. v. 1, 3 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 145-146).
- CORREIA, Eduardo. Introdução ao direito penal económico. Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. v. 1. Problemas gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 297. O mestre aqui dirige sua crítica ao direito penal econômico como um todo.
- RATTI, Bruno, ob. cit., p. 129-130.
- Posteriormente à apresentação da presente monografia (segundo semestre de 2004), sobreveio alteração legislativa sobre o dispositivo em questão, notadamente por meio da Medida Provisória nº 320, de 24 de agosto de 2006, que, acrescentando parágrafos ao artigo 65 da Lei 9.069/95, suprimiu aquele limite de dez mil reais, transferindo ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixá-lo,
Normativa 120/1998 da Secretaria da Receita Federal, que instituiu a Declaração de Porte de Valores, a ser preenchida pelo viajante quando em posse de recursos em moeda nacional ou estrangeira em montante superior a dez mil reais ou seu equivalente em outra moeda.66 Assim, como bem anota Tórtima, “desde que preenchida a Declaração de Porte de Valores (DPV), (…) não está mais o viajante sujeito aos antigos (e irreais) limites para o transporte de numerário ao embarcar para o exterior”.67
Resta então saber se a falta de preenchimento da DPV poderia ser interpretada como equivalente à saída não autorizada de divisas do país. Mais uma vez, a análise do direito europeu mostra-se pertinente ao esclarecimento da controvérsia.
mantendo a permissão ao viajante para o porte em espécie de valores que o excedam, desde que comprovada sua saída na forma prevista na regulamentação pertinente.
- Em fevereiro de 2006, com o advento da Instrução Normativa nº 619 da Secretaria da Receita Federal, a Declaração de Porte de Valores (DPV) foi substituída pela Declaração Eletrônica de Porte de Valores (e-DPV), a ser apresentada via internet no endereço eletrônico receita.fazenda.gov.br/DPV, sempre que o viajante deixe o país ou nele ingresse portando valores em espécie, cheques ou cheques de viagem em quantia superior a dez mil reais ou o equivalente. Como a Medida Provisória nº 320, de 24 de agosto de 2006 suprimiu o limite de dez mil reais anteriormente previsto no artigo 65 da Lei 9.069/95, parece-nos que revogou esta Instrução Normativa neste ponto, já que consubstancia diploma posterior e hierarquicamente superior. Seria necessária, portanto, para restabelecer o limite ou fixar outro, a edição de novo ato normativo disciplinando a matéria, seja pelo Conselho Monetário Nacional ou pela Secretaria da Receita Federal, com fulcro na delegação de competência que lhe outorga o artigo 7º da Resolução nº 2.524/98 daquele primeiro órgão. Como esta providência não foi implementada até o presente momento (setembro de 2006), entendemos que, ao menos por enquanto, desde 24 de agosto de 2006, qualquer pessoa poderia sair do país na posse de quantias em espécie em qualquer limite, sem que seja necessária a declaração do seu porte à Secretaria da Receita Federal. Embora a intenção do legislador neste particular, ao editar a Medida Provisória nº 320/2006, não tenha sido essa, mas, ao que tudo indica, apenas retirar o tema do gesso inerente ao formato de lei ordinária, permitindo sua disciplina por meio de atos normativos administrativos, mais flexíveis, de forma a viabilizar o maior dinamismo que o trato da matéria exige, não há como, tecnicamente, à luz do princípio da legalidade, reconhecer-se a vigência da Instrução Normativa nº 619 da Secretaria da Receita Federal no que diz respeito ao limite de dez mil reais, a partir do qual seria necessária a declaração do porte. Optamos, não obstante, por manter daqui em diante o texto da presente monografia tal como escrito originalmente, no segundo semestre de 2004, levando em conta o limite anteriormente estabelecido, seja porque a regra em questão, na prática, certamente continuará a ser seguida pelas autoridades aduaneiras, seja porque, caso a controvérsia ora agitada venha a ganhar corpo, muito possivelmente a norma será editada novamente, restabelecendo aquele limite ou fixando outro, a partir do qual a declaração do porte pelo viajante seria obrigatória. Não se pode descartar por completo, além disso, a possibilidade de a Medida Provisória nº 320/2006 não ser convertida em lei, de modo a restaurar a redação original do artigo 65 da Lei 9.069/95 e, por conseguinte, da Instrução Normativa nº 619 da Secretaria da Receita Federal acerca do ponto sub examen.
No tópico 4.2 supra, tivemos a oportunidade de observar que o Supremo Tribunal Espanhol sufragou o entendimento de que o Real Decreto 1.816/91 extinguiu o requisito da autorização administrativa em relação ao crime de exportação clandestina de capitais em quantias superiores a 5 milhões de pesetas, substituindo-o, não obstante, pela necessidade de declaração do porte dos valores à autoridade competente. O que permite a conclusão lógica de que jamais se havia cogitado, antes daquela inovação, da configuração do delito em virtude da falta de declaração do agente, ao contrário do que se encontra difundido entre nós. Basta, para ilustrar esta realidade, a notória prisão em flagrante do cidadão chinês naturalizado brasileiro Chan Kim Chang, quando, em agosto de 2003, tentava embarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim do Rio de Janeiro para os Estados Unidos com cerca de trinta mil dólares, não declarados, resultado da venda de uma pastelaria que lhe pertencia. O fato tornou-se notório pois, conduzido ao Presídio Ary Franco, Chang foi espancado até a morte por policiais federais brasileiros.
Duas boas razões desautorizam este posicionamento. Em primeiro, inexiste qualquer previsão de que a saída de moeda em espécie do país estaria condicionada à autorização prévia de quem quer que seja. O próprio nome do documento a ser preenchido pelo viajante – Declaração de Porte de Valores – dá bem a medida de que não se trata de um ato sujeito à aprovação ou deferimento da Administração Pública. Diante da declaração do porte, a autoridade está condicionada a permitir que o cidadão siga rumo ao estrangeiro, até mesmo a Carta de 1988, em seu art. 5.º, XV, lhe assegura, com o status de direito fundamental, a liberdade de saída do país na posse dos seus bens.68 De outra parte, não se afigura proporcional prender Chang, por exemplo, por tentar sair do país com seus trinta mil dólares não declarados e,
- Crimes contra o sistema financeiro nacional, p. 140.
- TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional, p. 139.
em seguida, franquear com tapete vermelho a saída do país de um outro cidadão na posse de três milhões de dólares apenas porque declarou o porte da quantia. A absoluta casuística, inadmissível na esfera criminal, fulmina o conteúdo axiológico da repreensão, evidenciando que está a se tutelar mera função de controle, à míngua de lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico.[53]
A seu turno, no mercado de câmbio sacado são realizadas operações cambiais pelas instituições bancárias credenciadas pelo Banco Central, negociando-se “divisas estrangeiras representadas por depósitos, letras de câmbio, cheques, ordens de pagamento, valores mobiliários etc. Ocorre a concretização destas operações mediante movimentação nas contas de depósitos que os bancos mantêm junto a seus correspondentes no exterior”.[54] Aqui, a rigor, quaisquer pagamentos ou recebimentos em moeda estrangeira podem ser realizados sem restrições. “Grande parte dessas operações não necessita de autorização prévia do Banco Central do Brasil para sua realização, pois já está descrita e especificada nos regulamentos e normas vigentes. Basta procurar uma instituição autorizada a operar em câmbio. As operações não regulamentadas dependem de manifestação prévia do Banco Central”.[55] Esta regra deriva do princípio da legalidade em seu aspecto administrativo, segundo o qual “a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite”, diferentemente do que ocorre no âmbito das relações entre particulares, onde “o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe”.[56] Uma vez autorizadas a praticar operações de câmbio pelo Banco Central do Brasil, na forma do art. 10, X, d da Lei 4.595/64, as instituições financeiras privadas, devendo atuar em conformação ao interesse público, passam a ter a obrigação de respeitar o princípio da legalidade em seu aspecto administrativo, vedando-se-lhes, pois, efetuar modalidades de operação ainda não devidamente identificadas e disciplinadas nos atos normativos vigentes.[57]
Esta é a regra de ouro para a análise dos reflexos penais de operações cambiais no mercado financeiro internacional: a tipicidade penal pressupõe a atipicidade administrativa. Se a operação de câmbio visando à transferência de titularidade de divisas entre um residente e um não residente no Brasil não for regulamentada, vale dizer, se for atípica do ângulo administrativo, dependerá de autorização do Banco Central. Do contrário, em sendo regulamentada, seu curso é livre, desde que atendidas as exigências documentais impostas pela autoridade monetária.
Por esta razão, temos que mesmo quando uma operação de câmbio destinada à saída de divisas do país, típica em sentido administrativo, vem a ser concretizada com fulcro em documentos falsos, ou é feita através de interposta pessoa – o laranja –, não há que se falar em evasão de divisas, ao contrário do que tem entendido a jurisprudência.[58] É que a saída de moeda do país no mercado de câmbio sacado, caso se enquadre em rubrica de operação regulamentada, não depende de autorização do Banco Central. Mesmo tendo sido engendrada diante de uma falsa representação da realidade, a operação em si, em abstrato, permanece autorizada, pese embora seu induvidoso caráter fraudulento. Se uma pessoa celebra a compra e venda de um bem que não lhe pertence, o negócio jurídico compra e venda, enquanto instituto, não se torna vedado, não autorizado. O que ocorre é que, malgrado permitido, foi executado de forma a induzir uma das partes em erro. O caso, portanto, é de adequação a outros tipos penais, a exemplo daqueles previstos nos arts. 171, § 3.º ou 299 do CP, mas não ao de evasão de divisas.
Atualmente, é bem de ver à guisa de remate, inexistem limites quantitativos para a constituição de depósitos bancários no estrangeiro por qualquer brasileiro residente, o que pode ser feito sob a rubrica disponibilidades no exterior, de forma absolutamente regular, independentemente de autorização do Banco Central, através das operações denominadas transferências internacionais de reais (TIR), bastando, para tanto, a apresentação da documentação exigida na forma da Circular 2.677/96 do Banco Central do
Brasil.75
7. Conclusões
De todo o exposto, nos parece possível sintetizar as idéias ventiladas na presente investigação por meio dos seguintes enunciados:
qualquer operação de câmbio regularmente autorizada. Incidência do art. 22 da Lei 7.492/86”. (REsp 411.522-SP, 5ª T., rel. Min. Laurita Vaz, j. 09.03.2004, v.u.).
75 TÓRTIMA, além disso, dá notícia sobre a supressão de limites para o envio de moeda para o exterior nas operações alinhavadas na Circular 2.494/94 do Banco Central, quais sejam: I – turismo; II – fins educacionais, científicos e culturais; III – tratamento de saúde; IV – transferência de patrimônio; V – heranças; VI – aposentadorias e pensões; VII – contribuições a entidades de classe; VIII – contribuições a entidades previdenciárias; IX – manutenção de pessoas físicas; X – aquisição de software; XI – vencimentos e ordenados; XII – serviços de imprensa e XIII – cartões de crédito internacionais. (Crimes contra o sistema financeiro nacional, p. 139)
- Merece repulsa, porquanto ilegítima e ofensiva ao caráter fragmentário do direito penal, a eleição da política governamental de proteção às reservas de câmbio do país como objetividade jurídica no campo da ultima ratio, tendo em vista que, para além de refletir mera função de controle estatal, destituída de conteúdo ético preexistente à norma, medidas de outras espécies, inerentes à condução da política monetária pelo Estado, têm se mostrado mais do que suficientes para estancar o panorama de severo racionamento de divisas outrora vigente. Na dicção de Schiller, citado pelo mestre Eduardo Correia, “desconfiai, nobres senhores, não julgueis alguma coisa útil só porque é útil ao Estado”.[59]
- Operações de câmbio devem ser afastadas das garras estigmatizantes do direito penal, vez que representam peça fundamental na engrenagem do desenvolvimento econômico de todo e qualquer país, mormente no contexto de integração supranacional que se expande ao redor do Globo, com liberdades cada vez mais acentuadas no que diz respeito ao fluxo de capitais entre as nações. “Não se deve confundir o veículo com a carga. Se um indivíduo assalta um banco e foge de motocicleta, não se deve, por isso, proibir as motocicletas”.[60]
- O âmago da saída, fuga ou evasão de divisas repousa na transferência da titularidade de posição em moeda de um residente para um não residente no país, de molde que as transações cambiais clandestinas entre residentes no Brasil, com vistas a disponibilizar recursos no exterior, malgrado ilícitas na esfera administrativa, não se revestem de idoneidade para provocar a diminuição das reservas do Banco Central, situando-se, portanto, à margem do campo de tutela do art. 22, caput e parágrafo único, da Lei 7.492/86.
- No mercado de câmbio manual, não há que se cogitar da saída não autorizada de divisas do país em virtude da ausência de declaração pelo viajante do porte, em espécie, de moeda estrangeira em patamares superiores ao equivalente a dez mil reais.[61] Em primeiro, considerando não ser necessária autorização de quem quer que seja para que o cidadão possa fazê-lo, impondo-se-lhe apenas o dever de declaração do porte, cujo descumprimento não pode ser interpretado de forma ampla para fins de adequação típica penal; em segundo, pois afronta o princípio da proporcionalidade nada fazer quanto ao viajante que deixa o país na posse de considerável quantidade de moeda estrangeira, cumprindo o dever de declará-la, e, de outra parte, punir criminalmente aquele que porta valor bem inferior, mas não o faz; em terceiro, visto que a Constituição da República outorga ao cidadão o direito fundamental de sair do país na posse dos seus bens, liberdade incompatível com a necessidade de autorização prévia da autoridade aduaneira.
- Por sua vez, no mercado de câmbio sacado a atipicidade administrativa da operação cambial consubstancia pressuposto da tipicidade penal. Destarte, estando a operação de câmbio regulamentada nos atos normativos vigentes, é despicienda autorização do Banco Central do Brasil para que possa ter curso. Em não estando ainda disciplinada, a autorização faz-se necessária.
Todo o esforço de argumentação esgrimido tem por escopo demonstrar que a política governamental de proteção às reservas cambiais do país não merece mais – ou, como entendemos, jamais deveria ter merecido – a atenção do operador do direito penal, a quem cabe sepultar em definitivo esta vetusta ótica de crime de lesa-pátria em relação à evasão de divisas, para ocupar-se de investigações em torno de outras questões mais candentes relativas à repressão penal econômica, sempre mantendo em primeiro plano a visão de que o fenômeno criminógeno por um lado é positivo, pois funciona como termômetro do bom funcionamento das instituições e da saúde do corpo social, permitindo ainda, em última análise, que o Homem desça do pedestal de arrogância onde se auto colocou, absoluto mestre da tecnologia, e questione as linhas mestras que, já há tempo em excesso, vêm informando sua maneira de pensar e seus objetivos enquanto espécie dominante.
8. Bibliografia
BAJO, Miguel; BACIGALUPO, Silvina. Derecho penal económico. Madrid:
Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 2001.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. O regime cambial brasileiro – evolução recente e perspectivas. Texto explicativo divulgado em 1993.
______. O que é câmbio? Disponível em www.bacen.gov.br/pre/bc_atende/port/cambio.asp.
BATISTA, Nilo. Consumação e tentativa no crime de evasão de divisas. Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). Org.: Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo: Método, 2001, p. 255.
CALDERON CEREZO, Angel. Delitos monetarios: ¿Punto final?, Actualidad penal, n. 18, Madrid. 28 abril/5 mayo 1996;
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2003;
COBO DEL ROSAL, Manuel. Los llamados “delitos monetarios”en la actualidad. Cuadernos de Política Criminal, n 47. Madrid: Editoriales de Derecho
Reunidas, 1992;
CORREIA, Eduardo. Introdução ao direito penal económico. Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. v.1. Problemas gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1998;
DANNECKER, Gerhard. Evolución del derecho penal y sancionador comunitario europeo. Trad. Carmen Bascón Granados. Madrid: Marcial Pons, 2001;
DA ROSA, Fábio Bittencourt. Evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, ano 21, n. 70;
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001;
FARIA COSTA, José de. O fenómeno da globalização e o direito penal ecnonómico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 34. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun.2001;
______. COSTA ANDRADE, Manoel. Sobre a concepção e os princípios do direito penal económico. Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. v. 1. Problemas gerais. Coimbra: Coimbra Editora.;
FIGUEIREDO DIAS, Jorge de; COSTA ANDRADE, Manuel da.
Problemática geral das infracções contra a economia nacional, Direito penal económico e europeu: textos doutrinários. V.1. Problemas gerais. Coimbra: Coimbra Editora, 1998;
FRANCO, Gustavo. O oficial e o paralelo. Revista Veja. São Paulo: Editora
Abril, 23 jul. 2003;
GALLAGHER, Lilian. Estrutura do sistema financeiro nacional. Apostila de apoio a curso organizado pela ANDIMA na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 25 a 29 de agosto de 2003;
GAROFALO FILHO, Emilio. Câmbio, ouro e dívida externa – de Figueiredo a FHC. São Paulo: Saraiva/BM&F, 2002;
GUILLAMÓN, Rogelio Gómez. Delitos monetários. La Sentencia del TJCEE de 23 de Febrero de 1995. Revista Del Ministério Fiscal, n. 2, Madrid, jul.-dec. 1995;
JAKOBS, Gunther, CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Thomson Civitas, 2003;
NASCIMENTO SILVA, Luciano. O Mercosul e o direito penal econômico.
Revista de Estudos Criminais, ano 1, n. 2, Porto Alegre, 2001;
PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais,1973;
PRADO, Luis Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003;
______. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral. v. 1, 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002;
RATTI, Bruno. Comércio internacional e câmbio. 10 ed. São Paulo: Aduaneiras, 2004;
REIS FONSECA, Miguel José. “Efeitos positivos” do direito comunitário no ordenamento penal português: o crime de câmbio ilegal e a moeda única.
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 10, fasc. 1, jan. -mar. 2000; SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 14. ed. São Paulo: Best Seller, 2004;
TAVARES, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. RT, número especial de lançamento. São Paulo: Revista dos Tribunais,1992;
______. Teoria do injusto penal. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002;
TEJADO LLORENTE, Maria Luisa. Las relaciones entre el derecho comunitario e el derecho penal. Actualidad penal, n. 3, Madrid 19 al 25 de enero de 1998.
TIGRE MAIA, Rodolfo. Dos crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Malheiros, 1999;
TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional. 2.ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2002;
______. Subfaturamento nas exportações e a conduta típica do art. 22, parágrafo único da Lei n. 7.492/86. Boletim IBCCRIM, v. 10, n. 118, São Paulo, set. 2002;
ZINI JR., Álvaro Antonio. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil. São Paulo:
Edusp/BM&F, 1995.
[1] PIMENTEL, Manoel Pedro. Direito penal econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973, p. 167.
[2] ZINI JR., Álvaro Antonio. Taxa de câmbio e política cambial no Brasil. São Paulo: Edusp/BM&F, 1995, p. 18. Neste mesmo passo, o ex-presidente do Banco Central do Brasil Gustavo Franco recorda que “era uma época onde a ‘divisa’ era escassa e estratégica, de tal sorte que os gastos cambiais permitidos eram apenas aqueles de ‘interesse nacional’, o que parecia estar fora do alcance do cidadão comum, pois nenhuma de suas demandas parecia enquadrar-se nesse protocolo”. (O oficial e o paralelo. São Paulo: Revista Veja, Abril, 23.07.2003).
[3] GAROFALO FILHO, Emilio. Câmbio, ouro e dívida externa – de Figueiredo a FHC. São Paulo: Saraiva/BM&F, 2002, p. 175. Interessante destacar a observação do professor GAROFALO no sentido de que “além de congelados, os preços foram tabelados, uma das várias incongruências do Plano Cruzado. Assim, uma Coca-Cola retirada das prateleiras de um supermercado tinha o mesmo preço que a mesma Coca-Cola, agora gelada, servida por um garçom em copo de cristal, sobre uma mesa com toalhas de linho, em ambiente com ar condicionado e música ao vivo, no mais caro restaurante. Assim, não só o congelamento como também o tabelamento mereceram repúdio de vários empresários, ainda que fizessem, no início, a alegria do povo. A cerveja tinha, ou deveria ter, o mesmo preço no melhor restaurante do Rio de Janeiro, quente no supermercado e na barraquinha da praia”. (Ob. cit., p. 175)
[4] GAROFALO FILHO, Emílio, ob. cit., p. 176. Sobre o fenômeno inflacionário, explica o professor Bruno Ratti que “a diminuição do poder aquisitivo da moeda nacional irá provocar um aumento das importações e uma diminuição das exportações, caso a taxa cambial não seja periodicamente reajustada. Teremos, assim, déficits na balança comercial que, se não forem contrabalançados por receitas na balança de serviços por entrada de capitais, acarretarão déficits no balanço de pagamentos. (…) Com tudo isso vamos chegar a ver o desaparecimento da moeda nacional. As trocas passam a fazer-se em mercadorias ou em moeda estrangeira. Outros vão procurar depositar seus haveres no exterior”. (Comércio internacional e câmbio. 10. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2004, p. 56-57).
[5] O Plano Cruzado, é bem de ver, apenas ajudou a consolidar ainda mais este segmento, vez que já se encontrava ele então estabelecido, ao ponto de ter suas taxas divulgadas diariamente pelos meios de comunicação correntes. De acordo com o professor Álvaro Antonio Zini Jr., “a necessidade de recorrer a medidas de racionamento explícitas, na década de 80, desgastou o sistema pela diversidade de regulamentações em suas diversas mudanças. A instabilidade e arbitrariedade de muitas dessas regras fez aumentar a busca de mecanismos alternativos, levando, conforme apontado, ao crescimento do mercado paralelo”. (Ob. cit., p. 24) A figura do doleiro – “empresário” deste mercado – popularizou-se então em decorrência da severa conjuntura vigente, como narra Gustavo Franco: “Nesse quadro de monástica rigidez, o doleiro se tornava parte da ‘casa’, pois era o ‘jeitinho’, a ferramenta para que pudessem ser atendidas as necessidades legítimas, que as leis e regulamentos ignoravam. E assim, uma vez na ‘sala de visitas’, o doleiro ganhava liberdade para conduzir suas outras atividades sem que ninguém o incomodasse. O ágio do paralelo com relação ao oficial era uma espécie de medida da nossa hipocrisia, uma indicação de quanto o Brasil oficial era menor que o informal, o da rua. Ao final da década de 80, o ágio chegou a 150%, e nessas condições é certo que nenhuma transação cambial cursada no câmbio ‘oficial’ era ‘o que estava escrito’. O ‘jeitinho’ havia se tornado a regra”. (artigo citado)
[6] TAVARES, Juarez. Critérios de seleção de crimes e cominação de penas. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 0. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 82-83.
[7] PIMENTEL, Manoel Pedro, ob. cit., p. 170.
[8] De acordo com a doutrina do inimigo, “un individuo que no admite ser obligado a entrar en un estado de ciudadanía no puede participar de los benefícios del concepto de persona. (…) Quien gana la guerra determina lo que es norma, y quien pierde há de someterse a esa determinación.”. (JAKOBS, Gunther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo. Madrid: Thomson Civitas, 2003, p. 40-41).
[9] Embora a Carta de 1988 imponha o requisito da urgência para justificar a edição de medida provisória pelo Chefe do Poder Executivo, em boa parte dos casos, senão na maioria deles, esta exigência não é cumprida, sendo empregada para dispor sobre todo tipo de matéria de interesse do governo, postura que vem recebendo acerbas e constantes críticas dos membros do Congresso Nacional.
[10] Bem jurídico-penal e Constituição. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 35.
[11] Teoria do injusto penal. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 212-220.
[12] O caráter circunstancial da objetividade jurídica perseguida, aliás, revela-se, na erudita dicção de Figueiredo Dias e Costa Andrade, característica marcante do direito penal econômico, que “dum modo geral, alimenta-se das seqüelas das crises econômicas ou dos afrontamentos bélicos. Deve mais à urgência duma mobilização para a guerra, para a reconstrução dos escombros, que à serena reflexão dos juristas. Até dentro das mesmas fronteiras o que acontece é que a teorização dos estudiosos se situa no tempo face a realidades jurídico-económicas profundamente diversas, não conseguindo a dogmática lavar-se duas vezes na mesma água.” (Problemática geral das infracções
[13] ZINI JR., Álvaro Antonio, ob. cit., p. 18.
[14] De acordo com as estatísticas apresentadas pelo professor ZINI JR., “o item Viagens Internacionais no Balanço de Pagamentos passou de um déficit de US$ 600 milhões em 1988 para um superávit de US$ 474 milhões em 1989 e um pequeno déficit de US$ 122 milhões em 1990”.
(Ob. cit. p. 23).
[15] Interessante exemplo do ora afirmado, versando sobre fato ocorrido logo após a adoção do regime de taxas flutuantes, foi registrado pelo professor Garofalo Filho: “O Banco Central percebeu ser impossível manter-se fora do mercado, (…) mas tinha um conflito mesmo ético: os bancos que montaram as posições compradas, apostando contra a política do Banco Central, em caso de desvalorização seriam os grandes beneficiados. Além disso, era muito cedo para destruir o discurso de taxas livres e posições livres compradas e vendidas. Impasse! (…) Surgiu uma idéia (…): as posições, compradas e vendidas, permaneceriam livres, porém, tudo que excedesse a US$ 2 milhões deveria ser objeto de depósito no próprio Banco Central. Em suma, se os bancos acumulassem dólares esperando sua valorização seriam obrigados a estocá-los no próprio Banco Central que assim disporia de um volume razoável de divisas para vender ao próprio mercado que apostava contra a política. Simples, antipático e eficiente. A partir daí, ajudado pelo desânimo dos
[16] O fenómeno da globalização e o direito penal ecnonómico. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 34, abr-jun. 2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 11. Sublinhe-se, em vivas cores, que não estamos aqui a hastear incondicionalmente a flâmula da globalização, cujos perniciosos efeitos são hoje objeto de inúmeros e acertados estudos, mas apenas a sustentar que, à vista de seu contexto econômico, trazer para o campo do direito penal operações de câmbio no mercado financeiro internacional, um dos pilares do desenvolvimento de qualquer país, afigura-se anacrônico e desnecessário.
[17] NASCIMENTO SILVA, Luciano. O Mercosul e o direito penal econômico. Revista de Estudos Criminais, ano 1, n. 2, 2001, p. 93. Segundo o autor, os estágios seguintes para consolidação do Bloco residem na criação de um mercado comum e na consagração das uniões econômica e monetária.
[18] Em abono desta visão otimista, enquanto escrevemos foi publicada no Jornal O Globo de 11.12.2004, p. 40, seção de economia, notícia acerca da proximidade do ingresso de um novo sócio do Mercosul, o Equador, a ser concretizado na próxima reunião de Cúpula do Bloco em Ouro
[19] DANNECKER, Gerhard. Evolución del derecho penal y sancionador comunitario europeo. Trad. Carmen Bascón Granados. Madrid: Marcial Pons, 2001, p. 65.
[20] O preceito secundário encontrava-se alinhado no art. 2.º do mesmo diploma, preconizando o seguinte: 1. A pena estabelecida no artigo anterior tem o limite máximo de um ano, quando o valor do acto ou operação não exceda 20.000 $ e o limite máximo de dezoito meses, quando o mencionado valor seja superior a 100.000 $; 2. Quando houver mera negligência, a pena de prisão não pode exceder seis meses. A profunda diferença entre a dosimetria penal portuguesa e brasileira, como se vê, dá bem a medida do truculento clima de terror que se buscou implantar com a incriminação da evasão de divisas entre nós.
[21] REIS FONSECA, Miguel José. Efeitos positivos do direito comunitário no ordenamento penal português: o crime de câmbio ilegal e a moeda única. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Diretor:
Professor Jorge de Figueiredo Dias, ano 10, fasc. 1, jan-mar. 2000, p. 232.
[22] As Diretivas, segundo Rogelio Gómez Guillamón, consubstanciam “la expresión más significativa del llamado Derecho derivado, constituido por las normas emanadas de las instituciones comunitarias, em oposición al Derecho primario, formado por los tratados constitutivos de las Comunidades”, revestindo-se de caráter vinculante para os Estados-membros. (Delitos monetários. La sentencia del TJCEE de 23 de febrero de 1995. Revista Del Ministério Fiscal, n. 2, Madrid, jul-dec. 1995, p. 294).
[23] Ob. cit., p. 239-240.
[24] Los llamados “delitos monetarios” en la actualidad. Cuadernos de Política Criminal, n. 47, Madrid:
Editoriales de Derecho Reunidas, 1992, p. 342.
[25] A Espanha aderiu ao Tratado da Comunidade Econômica Européia em junho de 1986.
[26] CALDERON CEREZO, Angel. Delitos monetarios: ¿Punto final? Actualidad PENAL, n. 18, Madrid, 28 abril/5 mayo 1996, p. 316.
[27] GUILLAMÓN, Rogelio Gómez, ob. cit., p. 287. Endosando a tese, COBO DEL ROSAL, ob. cit., p. 346.
[28] CALDERÓN CEREZO, ob. cit., p. 315.
[29] Ob. cit., p. 340.
[30] Ob. cit., p. 341.
[31] CALDERON CEREZO, ob. cit., p. 317.
[32] BAJO, Miguel, BACIGALUPO, Silvina. Derecho penal económico. Madrid: Editorial Centro de estudios Ramón Areces, 2001, p. 361.
[33] Por todos, TÓRTIMA, José Carlos. Crimes contra o sistema financeiro nacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 135.
[34] Dos crimes contra o sistema financeiro nacional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 137.
[35] Consumação e tentativa no crime de evasão de divisas. Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). Org. Sérgio Salomão Shecaira. São Paulo: Método, 2001, p. 255.
[36] Evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Revista da Associação dos Juízes Federais do Brasil, ano 21, n. 70. No Brasil, os crimes contra o sistema financeiro nacional, dentre os quais a evasão de divisas,
[37] Ob. cit., p. 133.
[38] ZINI JR., ob. cit., p. 20. O professor, entretanto, adverte que “a determinação do preço da divisa estrangeira (a taxa de câmbio), por sua vez, não deve ser confundida com esta noção de monopólio cambial. A taxa de câmbio é estabelecida pelas forças de mercado e pelas intervenções do Banco Central”. (Ob. cit., p. 17-18).
[39] Caso o doleiro seja estrangeiro, não residente no Brasil, evidentemente não há de se cogitar de obrigação de submeter as transferências internacionais de dinheiro que promove ao crivo das autoridades brasileiras.
[40] TÓRTIMA, José Carlos. Subfaturamento nas exportações e a conduta típica do art. 22, parágrafo único da Lei n. 7.492/86. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 10, n. 118, set. 2002, p. 8-9.
[41] Art. 1.º do Dec. 23.258/33: São consideradas operações de câmbio ilegítimas as realizadas entre bancos, pessoas naturais ou jurídicas, domiciliadas ou estabelecidas no país, com quaisquer entidades do exterior, quando tais operações não transitem pelos bancos habilitados a operar em câmbio, mediante prévia autorização da fiscalização bancária a cargo do Banco do Brasil.
[42] Ob. cit., p. 22.
[43] Ob. cit., p. 255.
[44] O concurso aparente de normas entre os crimes de manutenção de depósitos no exterior não declarados à repartição federal competente (art. 22, parágrafo único, in fine, da Lei 7.492/86), de ocultação de bens oriundos da prática de delitos antecedentes da lavagem de dinheiro (art. 1.º da Lei 9.613/98) e de supressão de tributo através da omissão de informações às autoridades fazendárias (art. 1.º, I da Lei 8.137/90) reveste-se, em nosso entender, de complexidade suficiente para merecer estudo à parte, a ser engendrado noutra oportunidade com mais vagar.
[45] Art. 1.º do Dec.-lei 630/76. Cf. tópico 4.1 supra.
[46] SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 14 ed. São Paulo: Best Seller, 2004, p. 181.
[47] Na bem lançada advertência de Faria Costa e Costa Andrade, “a utilização de cláusulas gerais na definição da norma incriminadora é uma técnica extraordinariamente perigosa no campo do direito penal já que este é, por excelência, o ramo do Direito que joga com a liberdade das pessoas. Neste sentido, o emprego de uma cláusula geral parece-nos ser de rejeitar liminarmente, porque violador
[48] Ob. cit., p. 230.
[49] Ob. cit., p. 335-336.
[50] Crimes contra o sistema financeiro nacional, p. 157-158. Não nos parece correto, entretanto, fixar o caráter exclusivamente impróprio deste exemplo de norma penal em branco, pese embora também possa ostentá-lo, eis que a regulamentação de matéria cambial se dá, predominantemente, como já afirmado, através de atos administrativos normativos, editados em instância legislativa de grau inferior, a exemplo de Resoluções do Conselho Monetário Nacional e Circulares do Banco Central do Brasil.
[51] Ob. cit., p. 136-137.
[52] De acordo com o magistério de Luiz Reis Prado, “a lei penal em branco pode ser conceituada como aquela em que a descrição da conduta punível se mostra incompleta ou lacunosa, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou complementação. Isso vale dizer: a hipótese legal ou prótase é formulada de maneira genérica ou indeterminada, devendo ser colmatada/determinada por ato normativo (legislativo ou administrativo), em regra, de cunho extrapenal, que fica pertencendo, para todos os efeitos, à lei penal. Utiliza-se assim do chamado procedimento de remissão ou de reenvio a outra espécie normativa, sempre em obediência à estrita
[53] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. 211-212.
[54] GALLAGHER, Lilian. Estrutura do sistema financeiro nacional. Apostila de apoio a curso realizado pela ANDIMA na cidade do Rio de Janeiro entre os dias 25 e 29 de agosto de 2003, p. 54.
[55] O que é câmbio? Disponível em www.bacen.gov.br/pre/bc_atende/port/cambio.asp, à época da elaboração da presente monografia (segundo semestre de 2004). No endereço, atualmente (setembro de 2006), consta a mensagem “conteúdo em revisão”.
[56] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo.13. ed.. São Paulo: Atlas, 2001, p. 68.
[57] A realização de operações de câmbio por instituições financeiras privadas enquadra-se na categoria de serviços públicos impróprios, que se encontram sujeitas ao regime de direito público, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “E serviços públicos impróprios são os que, embora atendendo também a necessidades coletivas, como os anteriores (rectius: os serviços públicos próprios), não são assumidos nem executados pelo Estado, seja direta ou indiretamente, mas apenas por ele autorizados, regulamentados e fiscalizados; (…) Na realidade, essa categoria de atividade denominada de serviço público impróprio não é serviço público em sentido jurídico, porque a lei não a atribui ao Estado como incumbência sua, ou, pelo menos, não a atribui com exclusividade; deixou-a nas mãos do particular, apenas submetendo-a a especial regime jurídico, tendo em conta a sua relevância. Exemplos: os serviços prestados por instituições financeiras e os de seguro e previdência privada (art. 192, I e II, da Constituição)”. (Direito administrativo, p. 102)
[58] Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, sumo intérprete da legislação federal: “1. A operação de câmbio submetida ao BACEN, e que foi autorizada, nunca existiu. Os documentos apresentados para ilustrar uma pretensa transação comercial de importação era falsos. 2. Por outro lado, concretizou-se, sim, uma transferência de divisas para fora do país (quase quatro milhões de dólares americanos), completamente desprovida de legalidade, porquanto não estava vinculada a
[59] Ob. cit., p. 301.
[60] BANCO CENTRAL DO BRASIL. O regime cambial brasileiro – evolução recente e perspectivas.
[61] Confiram-se as notas de rodapé nº 65 e 66 supra.