29 out Negociação irregular de títulos imobiliários
PARECER
Referência: trata-se da indicação nº. 022/2009, com vistas à emissão de parecer sobre o Projeto de Lei nº 79/2005, de autoria do Senador Pedro Simon, cuja finalidade é modificar o tipo penal do artigo 7º da Lei nº 7.492/86.
Palavras-chave: Direito Penal – Lei nº 7.492/86 – Mercado de Capitais – Títulos Mobiliários – Negociação Irregular.
Ementa: Proposta de modificação do tipo penal de negociação irregular de títulos mobiliários, previsto no artigo 7º da Lei nº 7.492/86. Descabimento.
Impropriedades técnicas e redundâncias. Risco de prejuízo ao processo de fortalecimento do mercado de capitais. Parecer pela rejeição integral do projeto.
Versa o projeto de lei mencionado em epígrafe sobre proposta de alteração do tipo penal hospedado no artigo 7º da Lei nº 7.492/86, no sentido de acrescentar verbos reitores à sua cabeça e elementos secundários ao seu inciso III, para que fique com a seguinte redação (inovações destacadas em itálico):
Art. 7º Emitir, oferecer, subscrever, endossar ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários:
I – falsos ou falsificados;
II – sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;
III – sem lastro, saldo, numerário, crédito ou garantia suficientes;
IV – sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida.
Pena – Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
A justificação do projeto de lei vem lançada no seguintes termos:
“Esta proposição objetiva delimitar e especificar, com maior clareza, os crimes em que títulos ou valores mobiliários são expostos e trocados no mercado sem que tenham a correspondente garantia monetária, também definida como lastro em dinheiro. Acredito que esta brecha para a impunidade estará fechada ao significarmos,
especifica e restritivamente, o que significam estes lastros e garantias.
“Apesar destes conceitos nos parecerem óbvios, a redação em vigor da Lei remete a uma legislação subsidiária para definir seus conceitos – que, por sinal, não existe – e, em nosso entendimento, seria supérflua e desnecessária, face à nova redação proposta, para a qual solicito o apoio de meus ilustres pares.”
A redação atual do caput elenca duas condutas (emitir, oferecer) e ao final resume o espírito comum a ambas com uma fórmula genérica, que confere à norma um indesejável caráter aberto, dada a ampla flexibilidade exegética e a pouca precisão semântica da expressão negociar de qualquer modo. E a pretendida modificação pontual para incluir no tipo duas outras modalidade de negócio
jurídico, ao invés de tornar mais nítido o alcance da incriminação, poderá produzir efeito contrário, notadamente no caso específico da subscrição de títulos mobiliários.
Como observa Valdir de Jesus Lameira, no processo conhecido no mercado de capitais como underwriting, “a colocação dos valores mobiliários negociáveis em bolsa (as ações, as cotas de fundos de investimento imobiliário) deve ser feita através de instituições financeiras especializadas como bancos de investimento, corretoras ou distribuidoras’’ ¹, de acordo com três regimes possíveis:
“Regime de garantia firme – as instituições subscrevem as ações, tão logo se tornem disponíveis, pagando à empresa emissora o valor da emissão. Se vencido o prazo de colocação, remanescer algum saldo, este é mantido na carreira da instituição, para posterior revenda, com lucro ou prejuízo.
Standby ou residual – faz-se um primeiro esforço de venda, e, só após um certo tempo, os underwriters ou agentes de underwriting subscrevem a parcela não colocada junto ao público, continuando o esforço de venda até o final do prazo. Também nesse caso a empresa emissora tem a garantia da colocação, mas terá de esperar o prazo acordado para receber os recursos.
Regime de melhores esforços – os intermediários procuram distribuir as ações junto ao público, sem porém garantir a colocação. Qualquer risco de não colocação corre por conta da empresa.”¹
Assim, quando a emissão pública de títulos mobiliários é feita sob as modalidades de best efforts e de stand by, ocorre de próprio investidor – não raro uma pessoa física, dispondo de quantia pouco expressiva – subscrever diretamente as ações, diferentemente do que se verifica na denominada subscrição firme, em que a instituição financeira contratada pela empresa detentora dos títulos, de antemão, subscreve na íntegra a emissão para em seguida revendê-la ao público.
¹Mercado de Capitais, Forense Universitária, 1ª edição. 2001, p. 85
¹Obra citada, página 86.
Logo, a incriminação da conduta de quem subscreve uma ação desprovida de lastro, com pena de 2 a 8 anos de prisão, poderia trazer o inconveniente de assustar o pequeno investidor, que cada vez mais busca na bolsa de valores uma opção para a gestão de seus recursos. Muito embora a ratio da proposta esteja voltada para as instituições financeiras envolvidas no processo de underwriting, fato é que o tipo penal, na forma do projeto de lei, descreve a conduta de quem subscreve o título. E quem o faz, muitas vezes, literalmente, é o pequeno investidor.
Daí o potencial da proposta em exame para gerar um sentimento de desconfiança, ou mesmo de medo, no mercado de títulos mobiliários, em especial entre os pequenos investidores, atravancado o processo de expansão das atividades da bolsa de valores no Brasil. Sobretudo porque, diante da experiência colhida dos 25 anos de vigência da Lei nº 7.492/86, abundante em desatinos de exegese, o surgimento de uma corrente de interpretação “extensiva’’ esdrúxula, direcionada ao investidor, é algo que não pode tout court ser descartado.
Quanto ao endosso, se é para manter a norma como está, com seus termos demasiadamente abertos, a sugestão de inclusão deste negócio jurídico na cabeça do dispositivo vem impregnada de redundância, uma vez que a fórmula negociar de qualquer modo já abrange nitidamente o verbo endossar, sem a necessidade de uma intervenção legislativa pontual para acrescentá-lo. A não ser que a expressão negociar de qualquer modo viesse a ser suprimida e substituída pela enumeração taxativa de condutas, para limitar com precisão a possibilidade de intervenção estatal. Apenas neste caso, não cogitado no projeto de lei, valeria a pena, creio eu, introduzir no caput do dispositivo o verbo endossar.
Já em relação à proposta de detalhamento do inciso III, que busca acrescentar, ao lado do vício da falta de lastro ou de garantia do título ou valor mobiliário, a ausência de saldo, numerário ou crédito, consta da justificação do projeto de lei, como visto, que a “brecha para a impunidade estará fechada ao significarmos, especifica e restritivamente, o que significam estes lastros e garantias’’.
Entendo, contudo, que aquelas duas primeiras palavras (lastro e garantia) já são claras e abrangentes o suficiente, de modo a igualmente tornar despicienda a alvitrada intervenção do legislador. Aliás, o próprio nobre autor do projeto de lei reconhece que tais conceitos parecem “óbvios’’, mas insiste na defesa de sua idéia ao argumento de que “a Lei remete a uma legislação subsidiária para definir seus conceitos – que, por sinal, não existe – e, em nosso entendimento, seria supérflua e desnecessária, face a nova redação proposta (…)’’. No entanto, a remissão à norma complementadora, na atual redação do 7º da Lei nº 7.492/86, ocorre somente na hipótese do inciso IV, que cuida da negociação dos títulos “sem autorização prévia da autoridade competente, quando legalmente exigida’’, e não no caso do inciso III, que trata da falta de lastro ou garantia. A justificação, portanto, com a devida vênia, não faz sentido neste particular, pois inexiste a indicação da necessidade de complementação por outras normas dos conceitos de lastro ou garantia, até mesmo porque, como reconhecido pelo próprio douto parlamentar, ambos são “óbvios’’.
Pelo exposto, opino pela integral rejeição do projeto de Lei nº 79/2005.
É o parecer.
Rio de Janeiro, 5 de maio de 2011.
Ricardo Pieri Nunes
Membro Efetivo do IAB
Comissão Permanente de Direito Penal