28 out O parcelamento do débito tributário anterior à denúncia como causa extintiva da punibilidade
Publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (www.ibccrim.org.br) em 4 de março de 2003
Como se sabe, o art. 34 da Lei 9.245/95 dispõe que “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia“.
A melhor doutrina e jurisprudência, interpretando este dispositivo, vêm entendendo que a expressão “promover o pagamento” abrange não apenas o pagamento integral antes do oferecimento da denúncia, mas também o parcelamento do débito, por variadas razões.
A primeira, mais forte, vamos encontrá-la no magno postulado da isonomia, pois encerra ilegítimo tratamento desigual outorgar esta verdadeira “ponte de ouro” – na expressão de Von Lizt – ao agente que, ostentando capacidade econômica mais robusta, apresenta condições de quitar a integralidade do débito antes mesmo do oferecimento da denúncia, e, por outro lado, negá-la aquele que, desprovido da mesma fortuna, quiçá por ter suprimido menos tributos, somente pode efetuar o pagamento de forma parcelada.
A despeito do status financeiro de cada um, determinante da possibilidade do pronto adimplemento integral da dívida tributária, todos que em tese praticam delitos fiscais se encontram na mesma situação, pelo que não se afigura legítimo conferir-lhes tratamento radicalmente desigual, consistente na extinção da punibilidade num caso e a sujeição ao potencial anátema da condenação criminal noutro.
É força, por tal arte, a fim de resguardar a incolumidade do ordenamento constitucional, interpretar-se extensivamente a expressão “promover o pagamento“, de molde a que albergue também o parcelamento do débito tributário.
Sob outro ângulo, observa-se que, firmado acordo de parcelamento com a autoridade fiscal, a dívida originária se extingue em função do fenômeno da novação, rendendo ensejo ao surgimento de uma outra, agora com nova roupagem. Trata-se, da mesma forma, de interpretação extensiva da expressão “promover o pagamento“, contida no art. 34 da Lei 9249/95, no sentido de que deve abranger também a novação da dívida que deriva inexoravelmente do parcelamento do débito.
Há ainda aqueles que vêem na opção pelo acordo de parcelamento circunstância que exclui o dolo, impedindo a configuração do tipo penal.[1]
De toda sorte, o E. Superior Tribunal de Justiça, em suas decisões mais recentes, através de seus órgãos fracionários competentes para apreciar matéria penal, pacificou, afinal, o entendimento de que o parcelamento do débito tributário antes do recebimento da denúncia enseja a extinção da punibilidade, na forma do art. 34 da Lei 9249/95.
Nesse sentido, a Colenda 5ª Turma: “Segundo precedentes, uma vez deferido o parcelamento, em momento anterior ao recebimento da denúncia, verifica-se a extinção da punibilidade prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, sendo desnecessário o pagamento integral do débito para tanto“.[2]
Esposando o mesmo entendimento, a Colenda 6ª Turma:
“Estando o contribuinte em situação regular perante o Fisco, em decorrência do parcelamento do débito, antes do recebimento da denúncia, não há justa causa para a instauração de ação penal“.[3]
Nesse mesmo passo, a E. 3ª Seção:
“CRIMINAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. OMISSÃO DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PARCELAMENTO ANTERIOR À DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DO PAGAMENTO INTEGRAL. RECURSO PROVIDO.”[4]
Conclui-se, portanto, que a deflagração de ação penal pela suposta prática de injusto descrito na Lei 8.137/90, posteriormente à celebração de acordo de parcelamento da dívida tributária, consubstancia intolerável constrangimento ilegal, merecendo, portanto, ser combatido com a mais enérgica veemência, seja para impedir o recebimento da exordial acusatória, seja para extinguir a relação processual sem resolução do mérito.
[1] Machado, Hugo de Brito, Crimes Contra a Ordem Tributária, coord. Silva Martins, Ives Gandra, RT, p. 129.
[2] Resp n° 426378/PR, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 15.10.2002, v.u. Com idêntica fundamentação, Resp. n° 326243/PR, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 20.8.2002, v.u.
[3] HC n° 21561/PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22.10.2002, v.u. Com idêntica fundamentação, Resp. n° 378521/RS, Rel. Min. Paulo Galotti, j. 05.09.2002, v.u..
[4] RHC n° 11598/SC, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 08.05.2002.